Cristina Jácome é investigadora auxiliar no CINTESIS, no polo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde integra o grupo PaCeIT – Patient Centered Innovation and Technologies e é atualmente a investigadora responsável no CINTESIS do projeto EPI-Asthma, um projeto inovador pela parceria entre instituições académicas e a indústria farmacêutica.

Nasceu em Nine, Vila Nova de Famalicão, em 1987, numa família humilde que lhe incutiu o valor do trabalho e quis que voasse mais alto. Teve uma infância feliz, envolvendo-se ativamente na vida da comunidade. Frequentou a catequese, foi escuteira, fez parte de um grupo coral e praticou danças de salão. Estudou numa escola pública de Barcelos onde o pai era assistente operacional e, no 10º ano, foi estudar para o Externato Infante D. Henrique, em Braga, onde foi presidente da Associação de Estudantes. Acabou o Ensino Secundário no quadro de excelência. Não foi para Enfermagem, como a irmã, nem para o Porto, como os pais sugeriam. Atirou-se de cabeça para a licenciatura em Fisioterapia na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, que concluiu em 2009.

“Sabia que Medicina e Enfermagem não seriam para mim porque me impressiono com facilidade, mas achei que a Fisioterapia, com quadros menos agudos, poderia ser o caminho”, recorda.

No último ano da Licenciatura, já como Bacharel, começou a trabalhar numa clínica de Fisioterapia em Aveiro, fez o primeiro trabalho de investigação e publicou o seu primeiro artigo científico. Em 2009, já com o diploma, regressou a Braga para trabalhar numa clínica de Fisioterapia Cardiorrespiratória, mas queria “aprimorar competências”. Ingressou, por isso, no Mestrado de Fisioterapia Cardiorrespiratória na Escola Superior de Saúde do Politécnico do Porto. Obteve, entretanto, uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito de um projeto financiado com o objetivo de desenvolver programas de reabilitação respiratória para doentes com DPOC e seus cuidadores, área em que trabalhava. Regressou, então, à Universidade de Aveiro no final de 2010 e em 2011 terminou o seu mestrado.

“Entre os fisioterapeutas, não era comum fazer investigação. Foi muito desafiante. Além de participar na elaboração dos programas de reabilitação respiratória e dos programas psicoeducacionais para doentes e familiares e de contactar com os profissionais dos centros de saúde da região, pude continuar a exercer a clínica”, realça.

Em 2012, ganhou uma fellowship da European Respiratory Society (ERS) para passar três meses num dos mais conceituados centros de reabilitação respiratória do mundo. Em Leuven, na Bélgica, teve oportunidade de aprender com os melhores.

“Este foi um marco na minha vida. Foram três meses magníficos. Para além das aprendizagens que fiz e das ideias que levei para o projeto, colaborei em duas publicações científicas. Percebi, então, que estas redes internacionais são fundamentais. Foi também muito importante para a minha confiança como investigadora, pois nunca me senti inferior aos meus colegas”, assegura.

De regresso a Portugal, concorreu a uma bolsa de doutoramento da FCT, com a intenção de continuar na mesma linha de investigação, a reabilitação respiratória de doentes com DPOC. Na altura, queria perceber se a reabilitação deveria começar precocemente e, ao mesmo tempo, validar a auscultação eletrónica para monitorização destes doentes. Em 2013, obteve a bolsa e ingressou no Doutoramento em Fisioterapia da Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (FADEUP), que abria a sua 1ª edição. Passou pelo CIAFEL e chegou finalmente ao CINTESIS, ainda como estudante de doutoramento.

Terminou o doutoramento em abril de 2016 e, em maio, integrou um projeto de auscultação eletrónica para diagnóstico de patologias respiratórias na Universidade de Tromsø, na Noruega. Mais uma vez, sentiu que não ficava atrás dos colegas estrangeiros. Ao mesmo tempo, lecionava na Universidade de Aveiro.

Entretanto, em 2017, ganhou outra bolsa da FCT, esta de pós-doutoramento, casando as áreas da auscultação computorizada e da mHealth, integrando a equipa de João Fonseca, investigador do CINTESIS e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, que tinha feito parte do seu júri de doutoramento. Está na origem do grupo de investigação PaCeIT – Patient Centered Innovation and Technologies, um grupo de investigação interessado na conceção, validação, avaliação e implementação de tecnologias fáceis de usar e serviços personalizados, dirigidos aos doentes, para diagnóstico, classificação e gestão de doenças crónicas e dos seus fatores de risco.

Em setembro de 2019, concluído o pós-doutoramento, passou a investigadora auxiliar do CINTESIS/FMUP, com a responsabilidade de aumentar os estudos na área das soluções digitais e a ligação ao mundo empresarial e a comunidade. Atualmente, é a investigadora responsável, no CINTESIS, do projeto EPI-Asthma (Prevalência e caracterização das pessoas com asma, de acordo com a gravidade da doença, em Portugal). O projeto, que arrancou em finais de 2020, é um casamento de duas instituições académicas, a FMUP, através do CINTESIS, e a Universidade do Minho, através do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde (ICVS), com a Astrazeneca, e com uma spin-off U.Porto, a MEDIDA – Serviços de Medicina, Educação, Investigação, Desenvolvimento e Avaliação, Lda.

Neste momento, está a terminar o estudo-piloto, em Matosinhos, em colaboração com três Unidades de Saúde Familiar (USF). O estudo, que inclui entrevistas telefónicas (fase 1), avaliações clínicas e exames (fase 2) e recurso a uma aplicação móvel (fase 3), será replicado noutras regiões. Só na primeira fase, deverão participar mais de 7.500 pessoas. O estudo deverá estender-se até final de 2023, mas os primeiros resultados devem surgir já este ano. Cristina Jácome participa também noutros estudos do grupo PaCeIT, nomeadamente o INSPIRERS e o AIRDOC.

Quanto ao INSPIRERS, desde 2017 que tem sido responsável pela implementação de estudos de exequibilidade da aplicação móvel InspirerMundi em unidades de cuidados secundários, em Portugal e Espanha. O último estudo, realizado em 2020, em plena pandemia, decorreu em 30 USF (Unidades de Saúde Familiar) da região Norte e Centro do país. O objetivo é avaliar a aceitabilidade da InspirerMundi, uma aplicação que visa melhorar a adesão à medicação inalada em doentes com asma e o controlo da doença.

Uma das características inovadoras da app é permitir a leitura automática e objetiva do contador de doses do inalador da asma, utilizando apenas a câmara do smartphone. Além disso, gera notificações de acordo com o plano terapêutico de cada doente, juntando componentes de gamificação e de rede social que permite a partilha de experiências.

“Eu tinha experiência na implementação de projetos, no terreno, mas esta foi a primeira vez que geri um estudo multicêntrico em diferentes centros nacionais e com diversas especialidades, para testar uma tecnologia móvel no mundo real. Neste último estudo, atingimos os objetivos de recrutamento, mesmo numa fase tão difícil. Estamos agora a analisar os resultados e a desenhar um ensaio clínico piloto para iniciar em 2021, nos Cuidados Secundários e nos Cuidados de Saúde Primários”, diz.

Quanto ao projeto AIRDOC – Aplicação móvel Inteligente para suporte individualizado e monitorização da função e sons Respiratórios de Doentes Obstrutivos Crónicos, financiado pelo Norte2020 (Portugal2020), a novidade é utilização uma tecnologia inovadora para gravação da manobra expiratória forçada e da auscultação pulmonar, utilizando apenas o microfone do smartphone.

“Se conseguirmos transferir a auscultação eletrónica dos estetoscópicos digitais para os smartphones, vamos facilitar a vida dos clínicos e dos doentes, sem custo adicional e em segurança. No futuro, os médicos deverão poder ouvir estes sons, detetar alterações e alertar, caso haja necessidade. Temos de evoluir nos métodos automáticos de análise destes sons. Os primeiros estudos, com cerca de 100 doentes, mostram que a auscultação com smartphone permite detetar os sons indicativos de patologia, nomeadamente os sons adventícios (as sibilâncias e os fervores ou crepitações).”, explica.

Além de investigadora, contando com mais de 70 artigos publicados, Cristina Jácome é igualmente professora da FMUP, onde leciona no Mestrado de Medicina e em dois doutoramentos, o PDICSS e o HEADS, bem como nas Escolas de Inverno e de Verão e no BLICS.  “A docência é algo que gosto muito de fazer, embora tenha mais perfil de investigadora. Mas também não me vejo só a fazer investigação. Penso que a passagem de conhecimentos é muito enriquecedora”, afirma.

Participa numa Cost Action (ENABLE) relacionada como o uso das tecnologias na adesão à medicação e integra duas Tasks Forces da European Respiratory Society, uma em cuidados paliativos para doentes com doenças respiratórias (não oncológicas) e outra sobre higiene brônquica em doente com bronquiectasias, sendo coautora de documentos orientadores destes cuidados de saúde. A investigadora é ainda, desde 2020, presidente do Grupo de Interesse em Fisioterapia Cardiorrespiratória da Associação Portuguesa de Fisioterapeutas. A sua presidência coincide com um dos momentos mais críticos vividos pela profissão, face aos desafios da COVID-19, tendo estado na génese de documentos orientadores, vídeos e cursos para fisioterapeutas e doentes, incluindo a telerreabilitação.

 

Ambição a 1 ano?

Tenho sido responsável e gestora de projetos de investigação, mas espero ser a investigadora principal de um projeto financiado.

 

Ambição a 10 anos?

Quando olho para os últimos 10 anos, vejo que aconteceram coisas tão maravilhosas que nunca pensei que fossem possíveis. Claro que trabalhei muito, mas, há dez anos, se me dissessem que faria o que fiz, se calhar não acreditava. Por isso, não preciso de imaginar os próximos 10 anos porque acho que serão igualmente maravilhosos. Desde que sinta este desafio constante, vou estar muito feliz.

 

Que vida para além da investigação?

Vivo novamente na freguesia onde nasci. É muito bom. Passo muito tempo com a família, principalmente com o meu afilhado. Tanto na família como com os amigos, sinto-me um elemento agregador e conciliador. Este é um papel de que gosto muito de ter. Também gosto muito de dançar, viajar, ler, de ir a espetáculos e concertos. A cultura ajuda-me a sair dos problemas terrenos e permite-me sonhar. Preciso destes momentos que me tiram os pés do chão.