Goreti Marques é investigadora integrada do grupo NursID – Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem, do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Escola Superior de Saúde de Santa Maria (ESSSM), onde é Professora Coordenadora e membro da Direção, além de investigadora principal do projeto Por Mais Saúde, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).

Licenciou-se em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem Jean Piaget de Viseu em 2001. “Sempre quis seguir a área da saúde. O que mais me atraiu na Enfermagem foi o contacto com as pessoas”, justifica.

Fez mestrado em Gestão e Administração dos Serviços de Saúde da Universidade Católica Portuguesa (Viseu) em 2005, pós-licenciatura e especialização em Enfermagem de Saúde Infantil/Pediatria pela Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP) em 2008 e doutoramento em Enfermagem no Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (Porto) em 2016. Em 2019, concluiu a pós-graduação em Comunicação Empresarial na Porto Business School.

Exerceu a sua atividade como enfermeira em diferentes instituições de saúde, começando pelo Centro de Saúde de Castro Daire, uma zona rural e com uma população muito idosa, onde tinha de fazer “de tudo um pouco”, do atendimento urgente aos domicílios. Confessa que foi “um embate bastante duro” e que teve de “crescer muito rápido”.  Quando se transfere para o Hospital de São Teotónio, também em Viseu, tem o seu primeiro contacto com a Pediatria, de forma casual e até. “Nunca mais deixei a Pediatria. Criamos uma relação empática muito forte com as crianças e com as famílias. Nós sentimos que marcamos as pessoas, que podemos fazer a diferença, e isso é muito gratificante. Estas famílias são-nos eternamente gratas. Já me aconteceu encontrar pais de crianças com quem lidei há anos e que me reconheceram imediatamente. Isso mostra o quanto o nosso trabalho vale a pena.

Cerca de um ano depois, transferiu-se para o Hospital Pediátrico de Coimbra. “Foi uma verdadeira escola para mim. Tive o privilégio de ir para o serviço de Neurocirurgia e Ortopedia e comecei a trabalhar pela primeira vez com crianças diagnosticadas com doença oncológica. Foi uma aprendizagem enorme e definiu o que eu queria fazer”, conta.

Em 2003, deu-se a mudança para o Porto, por razões familiares. Dirigiu-se ao IPO do Porto, com a condição de exercer a sua atividade no Serviço de Pediatria. Aí esteve durante 16 anos.

Haverá uma receita para exercer esta profissão sem ir abaixo? “Temos de ter a capacidade de nos entregarmos, de ter empatia. Há um risco enorme de burnout, é preciso saber despir a farda de enfermeira à saída do hospital. Há dias em que, ao sair, só me apetecia chorar, mas pensava que precisava de regressar para a minha família, contando os aspetos positivos do meu dia a dia. Não é fácil, é duro, mas treina-se. Além disso, não podemos olhar só para o lado negro, temos de nos focar no que podemos fazer de positivo, não podemos ter medo de dar gargalhadas. Isso também faz parte do nosso trabalho”, acrescenta.

No caso de Goreti Marques, a atividade profissional como enfermeira e a atividade como investigadora sobrepuseram-se durante muitos anos, uma vez que realizou o doutoramento precisamente sobre o cancro em idade pediátrica, o seu impacto a vários níveis na funcionalidade familiar e as necessidades de intervenção.  Em 2017, publicou o livro “O Impacto da Doença Oncológica da Criança na Família” (Edições Afrontamento). Atualmente, continua a investigar nesta área.

“Ainda há um caminho longo a fazer. As hospitalizações das crianças com doença oncológica são longas, as necessidades aumentam, as mães ficam reféns do papel de cuidadoras principais, os rendimentos baixam e não há respostas na sociedade para estas famílias, que podem ficar completamente sozinhas e desestruturadas. Os outros filhos sentem-se abandonados, muitos casais separam-se porque não aguentam a pressão. É assustador. É preciso dar um passo em frente e apoiar estas famílias de forma efetiva”, diz.

Mais: este apoio deve ser encarado como um direito e não como um favor. “A questão do coitadinho é terrível. Os pais diziam-me muitas vezes que detestavam quando chamavam aos filhos coitadinhos. Estas crianças não são coitadinhas, são lutadoras e têm direitos que devem ser assegurados”.

Em 2016, deixa a atividade como enfermeira para se dedicar a tempo inteiro à investigação e à docência no CINTESIS e na Escola Superior de Saúde de Santa Maria (ESSSM). É investigadora principal do projeto Por Mais Saúde, cofinanciado pelo COMPETE 2020, Portugal 2020 e FEDER. Inicialmente realizado na Maia, em Chaves e na Madeira, o projeto já foi replicado em várias escolas, sobretudo do Norte do país, num total de cerca de 1.500 crianças intervencionadas. Os principais objetivos passam por sensibilizar crianças do primeiro ciclo para a necessidade de adotarem hábitos de vida saudáveis, através de recursos especialmente desenhados para o efeito, nomeadamente o livro “Aprende a ser saudável com o Joca e a Maria”, recomendado pelo Plano Nacional de Leitura, e um jogo/aplicação que pode ser descarregado online.

“É muito importante para mim, enquanto investigadora principal, estar num centro como CINTESIS, quer pelos inputs ao projeto Por Mais Saúde, quer pelas dinâmicas geradas. Este foi o primeiro projeto financiado em que estive envolvida. Poder recorrer ao CINTESIS e solicitar apoio de gestão e na divulgação do projeto tem sido de uma grande mais-valia”, conclui.

Ambição a 1 ano?

Quero continuar com o projeto Por Mais Saúde, levá-lo a cada vez mais crianças, mais famílias e a mais escolas e, é claro, conseguir financiamento. Embora o financiamento já tenha terminado, nós continuamos a desenvolver o projeto porque percebemos que teve impacto na comunidade e porque temos resultados científicos positivos. As crianças alteraram os comportamentos alimentares e diminuíram o sedentarismo depois de utilizarem a aplicação. Estamos no caminho certo.

Ambição a 10 anos?

Espero continuar a fazer investigação, quer na área da promoção da saúde, quer na área da oncologia. São dois caminhos onde ainda há muita coisa a explorar. A forma como nós, profissionais de saúde e sociedade em geral, comunicamos a oncologia pediátrica é sempre muito trágica. Devemos mudar a representação social da doença oncológica em idade pediátrica.

Que vida para além da investigação?

Os meus dias são muito agitados. Por isso, quando posso, gosto muito de estar em família, em casa, sossegada, apenas a usufruir o momento.