É possível fazer clínica e investigação em simultâneo na área dos Cuidados de Saúde Primários (CSP)? Luciana Couto, professora do Departamento em Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde (MEDCIDS) da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) e especialista em Medicina Geral e Familiar, acredita que não só é possível, como é desejável.

No âmbito das VIII Jornadas de Fatores de Risco e Orientações Clínicas em Cuidados de Saúde Primários, organizadas pelo MEDCIDS, a responsável lançou o repto às várias entidades presentes para que se organizem e reúnam esforços no sentido de alavancar a investigação realizada por especialistas em Medicina Geral e Familiar e por outros profissionais dos CSP.

A participar neste evento estiveram, entre outros, o coordenador do CINTESIS e diretor do MEDCIDS, Altamiro da Costa Pereira, o presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM), António Araújo, o Presidente da Administração Regional de Saúde do Norte (ARS-Norte), Pimenta Marinho, e o representante do Conselho Executivo da FMUP, Filipe Macedo.

Para provar que é possível ver doentes e fazer investigação clínica ao mesmo tempo, Luciana Couto deu o exemplo de Luísa Sá, investigadora do CINTESIS e médica na Unidade de Saúde Familiar Nova Via, que acaba de apresentar um estudo sobre o perfil de prescrição de meios complementares de diagnóstico e terapêutica (MCDTS), realizado no âmbito do seu doutoramento.

Já Alberto Hespanhol, também do MEDCIDS, não se mostrou tão otimista, recordando que as dificuldades de financiamento levam muitas pessoas a desistirem da investigação.

O próprio Presidente da Secção Regional do Norte da Ordem dos Médicos (SRNOM), António Araújo, lamentou que, atualmente, os médicos não tenham tempo para fazer investigação, enquanto o presidente da ARS-Norte reconheceu que “o ambiente legislativo não a favorece nem a estimula”.

Para o coordenador do CINTESIS, esta é “uma pescadinha-de-rabo-na-boca”. “É preciso criar o ovo para além da galinha”, afirmou. Altamiro da Costa Pereira observou, a propósito, que “o número de publicações saídas da Medicina Geral e Familiar portuguesa é francamente reduzido”, embora se note uma “melhoria metodológica” e “novas tendências” nas áreas investigadas.

De facto, numa análise que realizou ao “Top 5” das revistas internacionais em Medicina Geral e Familiar, o responsável observou uma evolução positiva nos últimos anos quer nos métodos, quer nas áreas de investigação. Em 2010 predominavam os questionários e os inquéritos, seguidos por estudos transversais e de follow-up. Em 2016, “começam a aparecer cada vez mais as meta-análises e métodos mais robustos do ponto de vista de análise estatística, o que traduz que os médicos de Medicina Geral e Familiar estão a ficar mais fortes do ponto de vista metodológico”. Quanto às áreas, em 2010 destacam-se as referências e as consultas, sendo que em 2016 há áreas novas, como as determinantes sociais da saúde e os cuidados centrados no doente, e áreas em que se investiga mais, como as guidelines.

O coordenador do CINTESIS questionou porque é que a Medicina Geral e Familiar, especialidade com mais médicos em Portugal, continua a não conseguir internacionalizar o conhecimento que produz. “Estou empenhado em colaborar o mais possível com a Medicina Geral e Familiar e com os Cuidados de Saúde Primários para modificar esta situação”, declarou,  incentivando os  presentes a recorrerem ao CINTESIS e a utilizarem uma série de infraestruturas e de serviços, como o apoio à criação de projetos e a candidaturas nacionais e internacionais, designadamente no âmbito do Programa Doutoral em Investigação Clínica e Serviços de Saúde.

Altamiro da Costa Pereira lançou mesmo um desafio no sentido da criação de uma “agenda de investigação e inovação para a próxima década” nesta área. Um desafio a que as individualidades presentes se mostraram recetivas.

O responsável anunciou ainda outros estímulos, mais concretamente a criação de um Prémio de Investigação em Medicina Geral e Familiar, a atribuir pelo CINTESIS/MEDCIDS e uma “call” para contratar dois novos assistentes desta área “com perfil de investigação”. O objetivo é abrir a Unidade I&D aos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários, dando-lhes condições para que possam investigar.

No debate intitulado “Investigação em Cuidados de Saúde Primários”, participaram ainda Rui Nunes, investigador do CINTESIS, Fernando Moreira, responsável da Unidade de Investigação Clínica da ARS-Norte, e Maria da Luz Loureiro, coordenadora do Internato Comum de MGF da ARS-Norte.

Rui Nunes levou a ética para a discussão, focando-se nos direitos dos doentes enquanto sujeitos de investigação. Segundo o especialista, existe uma questão central: a conciliação do “ethos” do médico, que é o bem-estar do doente, com o “ethos” do investigador, que é o interesse público. Para o investigador do CINTESIS, este é o grande desafio que se coloca na prática, sobretudo após última versão da Declaração de Helsínquia. “Podemos fazer investigação de excelência sem atropelar os direitos fundamentais”, garantiu.