Irene Carvalho é investigadora integrada do grupo NeuroGen – Degenerescência e Regeneração Neuronal, da Linha Temática 2 – Investigação Clínica e de Translação, do CINTESIS, no polo da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).

Nasceu e cresceu em Santa Maria da Feira, mas estudou no Porto, cidade que sente como sua. A sua primeira paixão foi Medicina Veterinária, mas rapidamente percebeu que “não tinha estômago para aguentar o sofrimento dos animais” e soube que a sua vocação era a Psicologia.

“Na zona onde vivia, havia muitos toxicodependentes e eu sentia-me impelida a munir-me de ferramentas para poder intervir e ajudar. Achava que tinha necessariamente de ir para Psicologia. É claro que, quando vamos para a faculdade, temos muitas ilusões. Pensamos que vamos resolver os problemas do mundo. Depois, percebemos que nem tudo passa facilmente e que, às vezes, os nossos maiores esforços saem gorados. Essa é uma aprendizagem difícil que temos de fazer nas nossas vidas”, diz.

Em 1991, fez a licenciatura na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP), tendo-se especializado na área do comportamento desviante. Após o estágio, trabalhou cerca de três anos num projeto de reinserção social dirigido a pessoas com comportamentos de delinquência e em risco. Em 1995, partiu para os Estados Unidos da América para fazer o doutoramento na Northwestern University.

“Foi o culminar de vários sonhos: estudar lá fora, fazer um doutoramento e estudar o comportamento desviante, área em que a Escola de Chicago era uma referência a nível mundial”, recorda.

Fez a investigação em bairros sociais de elevado grau de perigosidade criminal em Chicago e ficou surpresa porque a realidade americana não correspondia à imagem que tinha dos filmes. “A sociedade norte-americana era uma muito conservadora e segregada racialmente. Eu não estava preparada para isso e houve, de facto, um choque cultural. Mas a minha investigação correu muito bem”, ressalva.

Após o doutoramento, em 2003, regressou a Portugal, onde, sem esperar, a sua vida se encaminhou definitivamente para a carreira académica. Começou por dar aulas na Universidade Lusíada e, em 2004, passou a docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde é atualmente Professora Auxiliar. Dedica-se inteiramente à docência e à investigação, tendo abraçado outras áreas, com destaque para a Comunicação Clínica.

“Felizmente, posso dizer que sou curiosa em relação a muita coisa. Os comportamentos desviantes ainda me interessam. Vou pontuando o meu percurso com aspetos da minha área antiga, como a comunicação no contexto da criminologia clínica ou, muito recentemente, a dependência do jogo”, acrescenta.

Entrou no CINTESIS por volta de 2015, no grupo então coordenado por Dulce Madeira e agora por Armando Cardoso. Esteve no projeto ioGeneration, liderado por Conceição Calhau, onde estudou a relação entre o aporte de iodo e a cognição/comportamento. Atualmente, tem um projeto a arrancar na área da Comunicação Clínica ao qual se juntou Paulo Santos, do grupo de investigação PrimeCare, também do CINTESIS. A pandemia de COVID-19, que veio colocar novos desafios a essa comunicação (o enquadramento eficaz da informação para mudar os comportamentos para a saúde, o uso de máscaras, a impossibilidade do toque, a distância física), fornece uma espécie de “pano de fundo” para este projeto, que é, no entanto, mais abrangente.

É cofundadora e atual presidente da Sociedade Portuguesa de Comunicação Clínica em Cuidados de Saúde (SP3CS), fundada em 2016, que tem contado com o apoio do CINTESIS. Entre os temas investigados estão a comunicação de más notícias, a relação médico-doente, a abordagem focada no doente, empatia e emoções e a utilização de metáforas na prática clinica.

“Ainda há muito para investigar, por exemplo, sobre a comunicação de más notícias, a tomada de decisão, o papel das tecnologias e o efeito da utilização de máscaras nos consultórios. Transmitir más notícias de forma humana é sempre complicado e complica-se ainda mais por telefone, por videochamada ou com máscaras e outros equipamentos de proteção individual, que afastam, que não convidam à proximidade”, admite a investigadora. Por isso, diz, deve ser uma “competência que se ensina e que se aprende e não uma questão de jeito ou de bom senso”.

Ambição a 1 ano?

Essa pergunta é muito difícil para mim. Não tenho por hábito fazer planos, por natureza. Com esta circunstância, torna-se ainda mais difícil prever. O meu objetivo seria regularizar e retomarmos todos a vida normal.

Ambição a 10 anos?

Não penso mesmo nisso! Posso dizer que não prevejo nenhum tipo de rutura na minha vida. Diria que o meu objetivo é dar continuidade ao que tenho vindo a fazer.

Que vida para além da investigação e da docência?

Gosto de ouvir música, gosto de ver filmes e gosto muito de ler. Com a investigação, perdi os antigos hábitos de leitura. De vez em quando, ainda toco piano (fiz o curso superior de piano do Conservatório). Também gosto muito de viajar, de conhecer outros locais e de atividade física. Pratico viet-vo-dao (uma arte marcial) desde os 17 anos e mergulho, mas não tenho praticado nos últimos meses. Nesta fase, continuo, felizmente, a ouvir música e a ver filmes, o que me vai permitindo fazer face ao confinamento.