José Silva Cardoso é Investigador Principal do Grupo de Investigação CardioCare, do CINTESIS, e coordenador de um projeto internacional na área da telemonitorização da insuficiência cardíaca, que tem como um dos “braços” o projeto Deus Ex Machina (DeM) – Symbiotic technology for societal efficiency gains, financiado em 2,5 milhões de euros pelo N2020.

A escolha da Medicina foi contra todas as expectativas. “Na minha família são todos engenheiros ou militares. Se não fossem os óculos, hoje seria aviador”, brinca, enquanto conta que só decidiu aos 15 anos que seria médico, em parte porque “era hipocondríaco e queria saber tudo sobre doenças”, mas principalmente pela leitura marcante dos livros sobre Ronald Ross, médico e Prémio Nobel da Medicina responsável pela descoberta do modo de transmissão da malária, e sobre Albert Schweitzer, médico que fez missão em África e foi laureado com o Prémio Nobel da Paz em 1952.

Licenciou-se e doutorou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, sendo professor associado e chefe de serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar de São João. Retrospetivamente, confessa: “Tornei-me médico não quando acabei medicina, mas quando fiquei doente com algo mais do que uma gripe. Nesse dia percebi que os doentes querem proficiência do médico, mas querem também alguém com quem se possam sentir seguros. Ficar doente é uma experiência fundadora. Nos meus primeiros anos, imperava o aspeto tecnocientífico e o contacto com os doentes era um pouco árido. Aprendi que o médico é mais do que um técnico, é um ser humano”.

Será possível hoje em dia exercer esse tipo de Medicina? Para Silva Cardoso, não só é possível como é “absolutamente necessário. A deriva tecnológica é muito fácil. E não se pode confundir informação com conhecimento ou com sabedoria. O médico, no seu esplendor, não deve ser apenas informado ou conhecedor, mas deve ser sábio, o que resulta da sua vivência humana. Não que tenha a pretensão de ser sábio. Gosto de pensar que estou num caminho de aprendizagem. Continuo a considerar-me um aprendiz”.

A investigação corre-lhe nas veias, suscitando-lhe “um fascínio inexplicável”. Como todos os amores, acrescenta. Desde cedo que a abraça com todo o coração, somando já cerca de 50 artigos publicados em importantes revistas científicas internacionais, 15 ensaios clínicos multicêntricos e vários projetos internacionais. É revisor das revistas científicas ESC-Heart Failure, Heart Journal e Portuguese Journal of Pneumatology, tendo estado à frente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia entre 2013 e 2015. Recentemente, foi distinguido pela Sociedade Brasileira de Cardiologia.

No CINTESIS, encontrou espaço para novos “voos”. “Em Portugal, a investigação biomédica nem sempre é feita nas melhores condições porque não há muito tempo e porque há uma tradição de isolamento. No CINTESIS, encontrei uma mentalidade de respeito pelas pessoas e de facilitação do trabalho, em vez de barreiras e dificuldades artificiais. Além disso, o CINTESIS é um centro com muitas valências, com uma confluência de múltiplos saberes e de múltiplas capacidades, o que permite trabalhar com equipas multidisciplinares e desenvolver investigação científica de larga escala ao mais alto nível, de tal modo que permite obter financiamentos de instituições europeias”, congratula-se.

A muldisciplinariedade é mesmo o fator que destaca no Centro de Investigação: “O CINTESIS permite um trabalho multidisciplinar extremamente estimulante. Nas nossas Assembleias Gerais, com engenheiros, psicólogos, psiquiatras, estatistas, informáticos, cardiologistas, enfermeiros, acontece magia e somos mais do que o somatório das partes”.

Atualmente, está à cabeça de um projeto internacional de desenvolvimento de um sistema de telemonitorização da insuficiência cardíaca que deverá durar uma década e que abarca dois projetos complementares: o projeto SmartBeat, de que é coordenador médico, no valor de 3,2 milhões de euros, e o projeto Deus ex Machina, que lidera e cujo financiamento ascende aos 2,5 milhões de euros, envolvendo quatro Universidades portuguesas (Universidade do Porto, Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, Universidade do Minho e Universidade de Aveiro). O seu objetivo é criar um protótipo que seja comercializável. “Em Medicina, isso ainda não é uma coisa comum. Ligar a Ciência à produção de forma a criar valor económico é também importante para criar autofinanciamento”, realça.

Aos 61 anos, prefere falar noutras idades, que não a cronológica, e espera trabalhar até não poder mais. “Continuo a olhar para mim como alguém à volta dos 30 anos, com o mesmo entusiasmo e a mesma energia. Reformar-me? Só por morte.”

Ambição a 1 ano?

Está a decorrer uma avaliação das unidades de investigação que levou ao alargamento da equipa do CardioCare. A breve prazo, irei promover uma Assembleia geral para cada um de nós expor os seus projetos e vermos de que forma podemos colaborar. Neste momento há investigadores dedicados às áreas da insuficiência cardíaca, da telemonitorização, da epidemiologia, do desenvolvimento de novos fármacos e de novas aplicações, das miocardiopatias, da Cardiologia invasiva, da reabilitação cardíaca, entre outras.

Ambição a 10 anos?

Espero concretizar o projeto de telemonitorização e que este seja uma fonte de financiamento para o CINTESIS, para a FMUP e para o CHSJ.

Que vida para além da investigação?

A vida não deve ser uma forma de passar os dias, mas de encontrar significado para os dias. Vivo isso intensamente desde os meus 16 anos. Essa é a dimensão central da minha existência. Aprendi que o momento presente é o único real e, por isso, procuro viver profundamente imiscuído no aqui e agora. Acredito que aí está o paraíso. São instantes, mas que são a prova de uma possibilidade de harmonia com o mundo, o que não significa necessariamente felicidade. Ser feliz é um efeito lateral. Isto não é científico, mas nem tudo é ciência. É a minha perceção e o meu caminho. Num tempo hedonista, de um prazer de mínima espessura e descartável, dizer que o sofrimento é importante é politicamente incorreto, mas eu acredito que o sofrimento tem sempre um propósito de mudança, de evolução e de crescimento, o propósito de nos levar a fazer coisas que nunca faríamos por vontade ou por mérito.