O nome de Matilde Monteiro-Soares, investigadora integrada do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e Professora Auxiliar da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), tem estado nas notícias com uma série de estudos de grande impacto em áreas como a diabetes e a COVID-19. A mais recente dá conta da atribuição de um financiamento de 40 mil euros, por parte da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), ao projeto sobre perfil imunológico de doentes com COVID-19, que a investigadora coordena.

Nasceu em 1983, no Hospital de Vila Nova de Gaia, onde a mãe trabalhava. Estudou no Colégio da Gaia, na Escola E.B. 2/3 Soares dos Reis e no Liceu Almeida Garret. Confessa que parece que “poupou os neurónios” no secundário. Saltou frequentemente de turma em turma e nunca gostou de ser formatada nem que lhe impingissem matérias nas quais na altura não vislumbrava qualquer utilidade.

“Era conhecida por me distrair com facilidade e tinha muitos outros interesses. Ainda por cima, ao lado do Liceu, tinha a Biblioteca Almeida Garrett. Ia requisitar livros e, às vezes, ficava a ler durante as aulas. Lia principalmente Fernando Pessoa, Mitologia, Arqueologia, poesia, contos… mas lia de tudo um pouco e procurava uma educação mais à minha medida”, recorda.

Inclinada para a área da saúde por gosto e pelas saídas profissionais, tropeçou por acaso da Podologia. “Por acaso, no meu 12º ano, fui com uma amiga a uma consulta de Podologia e fiquei fascinada. Entrei em Podologia na CESPU e, logo no primeiro ano, fiquei completamente rendida e apaixonada”, conta.

Paixão é, de resto, uma palavra que gosta de conjugar na primeira pessoa. “Gosto de estar na fase apaixonada e apaixono-me por muitas coisas ao mesmo tempo, coisas que vou adicionando à bagagem. Tenho facilidade em aprender a gostar de coisas diferentes”, continua.

“Gosto de ser a peça de um puzzle maior”

Fez estágio no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho E.P.E., integrada na equipa multidisciplinar do Pé Diabético, onde trabalhou entre 2007 e 2013. Passou por algumas clínicas privadas, mas confessa que a sua paixão é o serviço público. “Não gosto de trabalhar sozinha. Gosto de trabalhar em equipa e de ser a peça de um puzzle maior”, admite.

Fez o Mestrado em Evidência e Decisão em Saúde da FMUP entre 2007 e 2010, ao mesmo tempo que trabalhava. Já mestre, foi convidada para ficar na instituição a dar aulas, como docente voluntária. Parar de estudar estava fora de questão. Decidiu candidatar-se ao Programa Doutoral em Investigação Clínica e Serviços de Saúde (PDICSS) da FMUP e ganhou mesmo uma bolsa de doutoramento da FCT. Mas a bolsa obrigava-a a deixar a clínica. Disse que não. No ano a seguir, candidatou-se novamente e, desta vez, decidiu aceitar. Terminou o doutoramento em 2016. Depois disso, foi bolseira pós-doc do projeto NanoSTIMA até final de 2018. Em 2019, passou a ser Professora Auxiliar da FMUP.

Tem diversos prémios no currículo, com destaque para a Menção Honrosa no Prémio Pedro Eurico Lisboa Lilly/Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD), em 2017. É autora de mais de três dezenas de artigos em revistas especializadas e pertence a várias sociedades científicas, nacionais e internacionais, tais como o International Working Group on Diabetic Foot (IWGDF), o Diabetic Foot Study Group e o Grupo de Estudos de Pé Diabético da SPD.

Está no CINTESIS praticamente desde o início, primeiro como colaboradora e depois como investigadora integrada, fazendo atualmente parte do grupo EvidenS&HTA: Decisão Baseada na Evidência, Estudos de Síntese e Avaliação de Tecnologias da Saúde e colaborando com vários grupos, dentro e fora da Unidade. Tem investigação em áreas tão diversas com o Pé Diabético, a Gastrenterologia, a Microbiologia, a Medicina Interna e afins, com enfoque na componente metodológica, síntese da evidência e na bioestatística.

“O nosso objetivo é prevenir a primeira úlcera”

No Pé Diabético, o grande foco da sua investigação tem sido na identificação do risco de complicações para melhor as poder prevenir. “Existem várias escalas validadas, nomeadamente para identificação do risco de úlcera e de amputação. Sabemos que é toda uma cascata de eventos: quem tem uma úlcera passa a ter maior risco de amputação e de morrer. O nosso objetivo é identificar e prevenir a primeira úlcera. Um dos grandes problemas está em saber como fazer o rastreio, quando, por quem, em que situações e onde podemos intervir para sermos mais eficazes”, explica.

Para Matilde Monteiro-Soares, “esta é uma área muito descurada e muito pouco estudada, com pouca substanciação das decisões tomadas. Ainda hoje é um terreno tão virgem, em que há tantas questões para as quais não temos respostas, quando sabemos que a diabetes é uma das doenças mais comuns e com tendência a aumentar”.

Além disso, “há muita dificuldade em atrair pessoas para trabalhar nesta área e em quebrar barreiras com os doentes e seus familiares. Na maior parte das vezes, não há dor e os doentes não percebem o que está em causa. Hoje já se discute se devemos comunicar ao doente que ter uma úlcera de Pé Diabético é como ter um cancro. Na verdade, tem uma mortalidade bem maior do que ter cancro da mama. Por outro lado, também é muito gratificante porque conseguimos reverter quadros em que o destino já estaria traçado. Quando conseguimos mudar algo, é uma vitória fantástica”.

Por isso, a sua investigação prossegue. Neste momento, tem estudos a decorrer na identificação de necessidades de cuidados paliativos em pessoas com Pé Diabético e na progressão das suas complicações, este em colaboração com a Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo.

Publicou recentemente um trabalho sobre sintomas e doenças associadas à COVID-19, no qual que identificou 30 sintomas diferentes. Neste mês, soube-se ainda que outro projeto com a sua coordenação, este sobre a inflamação e o perfil imunológico de doentes infetados com a SARS-CoV-2, foi contemplado com 40 mil euros na segunda edição do RESEARCH 4 COVID, promovido pela FCT.

Ambição a 1 ano

Quero continuar na investigação e na docência, abrindo ainda mais o leque das colaborações interdisciplinares, dentro e fora do CINTESIS, isto é, cada vez mais colaborar com pessoas de áreas diferentes, que têm enriquecido muitos projetos.

Ambição a 10 anos

Não sei. Não gosto de fazer planos. Sou muitas vezes levada para destinos que não planeei e que são igualmente bons. Surfo a onda.

Que vida para além da investigação

Gosto de ler, ver filmes e séries, fotografia, comer. Adoro fazer caminhadas e estar com amigos a conversar e a jogar jogos de tabuleiro. Adoro vidas normais [risos].