É psicólogo, docente e investigador arrojado, atrevendo-se a tocar em matérias que ainda são tabus. Miguel Ricou atualmente investigador integrado do ManEthics, do CINTESIS e autor de uma obra pioneira na área da Ética profissional. Educação sexual, aborto e eutanásia são algumas das suas áreas de estudo. Recentemente fundou a plataforma europeia “Wish to Die”, que visa dar um contributo para a discussão nesta matéria.

Quando era miúdo, queria ser médico, mas as notas não deixaram. Começou a trabalhar antes de entrar para a Faculdade. Em 1991, inaugurou o curso de Psicologia no Instituto Superior de Ciências da Saúde do Norte, graças ao sacrifício da mãe. Aí conheceu Rui Nunes, seu professor, que o convidou a ingressar no Serviço de Bioética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP). Corria o ano de 1996 e a investigação era sobre surdez. “Comecei então a perceber na Ética uma ligação com a Psicologia. A Ética é a ciência da relação e a Psicologia tem como instrumento de trabalho a relação”, explica.

Ao mesmo tempo que dava aulas e consultas num consultório privado, fez o Mestrado em Bioética na FMUP com uma tese sobre os princípios éticos dos psicólogos, que resultou no livro “Ética e Psicologia: uma prática integrada”. Integrou projetos na área da toxicodependência e montou uma consulta de Psicologia no Centro de Saúde de Espinho, onde recebia os doentes da comunidade e os beneficiários do então chamado rendimento mínimo garantido. No início do milénio, criou um serviço de Psicologia no Centro de Saúde de São João, provando que a intervenção do psicólogo é capaz de baixar o recurso ao médico de família.

Fez sempre questão de conciliar a prática clínica com a docência e com a investigação. “Acho que a clínica é fundamental. Se não temos um contacto com a clínica, ficamos limitados na perceção prática do impacto da Ética”, diz. Participou na criação da Ordem dos Psicólogos, tendo sido um dos responsáveis pela criação do Código Deontológico, onde estão plasmados os princípios éticos dos psicólogos portugueses, tema que desenvolveu no seu Doutoramento em Psicologia Clínica pela Universidade de Coimbra, finalizado em 2012. Entre 2010 e 2014, foi presidente do Conselho Jurisdicional desta Ordem profissional e, desde 2015, é presidente da Comissão de Ética, onde desenvolve um trabalho de mediação e de ajuda na tomada de decisões.

Como investigador do grupo ManEthics, do CINTESIS, tem desenvolvido várias linhas de investigação, concentrando-se atualmente em dois projetos, um sobre a identidade da Psicologia e outro sobre a eutanásia e o suicídio assistido. Miguel Ricou é um dos fundadores da plataforma europeia “Wish to Die”, que integra profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, mas também profissionais de outras áreas, e tem quatro linhas de estudo: o processo de tomada de decisão, o tempo necessário para uma possível mudança de opinião, a relevância da motivação familiar e o papel dos cuidados paliativos.

Esta investigação pretende ser um contributo para a discussão que se vislumbra para 2018, com a apresentação no Parlamento de um projeto-lei do Bloco de Esquerda e outro do PAN sobre eutanásia e do suicídio assistido. “Temos de perceber qual é o melhor interesse das pessoas. Há decisões que não podem ser baseadas em razões ideológicas”, sublinha.

  • Que ambição para o próximo ano?

A curto prazo, quero desenvolver dois projetos. O primeiro é sobre a identidade da Psicologia. Um estudo que fizemos mostra que a Psicologia é uma profissão com défice de identidade. As pessoas não conseguem definir exatamente o que fazemos. As respostas são muito díspares. Isso é grave, sobretudo com o aparecimento de profissões como o “coaching” ou o counselling”. Como membro do Board of Ethics da European Federation of Psychologists Associations (EFPA), espero que este estudo seja replicado noutros países e que se consiga desenvolver uma “marca” para a Psicologia.

O segundo projeto é sobre eutanásia. Há pessoas que querem morrer, mas também há pessoas, nos países onde a eutanásia é legal, que dizem que querem, quando, de facto, não querem. As posições são dicotómicas, extremadas e inultrapassáveis, mas falta o contributo da Psicologia. Parece-me estranho que, quando estamos a discutir uma tomada de decisão tão séria, a Psicologia não tenha nada a dizer.

  • Que ambição para os próximos 10 anos?

Se calhar, vou estar a fazer a mesma coisa. Quero trabalhar na Psicologia e na Ética e fazer um bom trabalho

  • Que vida para além da investigação?

Gosto de estar com a família e com os amigos, de forma descontraída, sem planos.