Os doentes renais em diálise foram particularmente afetados pela pandemia de COVID-19 e pelas medidas implementadas para prevenir o contágio, quer a nível psicológico, quer a nível do próprio tratamento e controlo da doença.

Um estudo coordenado por Daniela Figueiredo, investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Universidade de Aveiro, foi o primeiro a avaliar a experiência de doentes em diálise, no contexto da pandemia, em Portugal.

Os investigadores analisaram dados de doentes relativos a fevereiro de 2020 (antes da pandemia) e a abril deste mesmo ano (em pleno confinamento obrigatório imposto pelo estado de emergência).

Os resultados, publicados no jornal científico Seminars in Dialysis, mostram um impacto negativo da pandemia em marcadores de doença renal, o que poderá ser atribuído a uma diminuição ligeira do tempo de diálise, que se enquadra nos planos de contingência adotados.

“Durante o confinamento, verificou-se uma redução da eficácia da diálise e de marcadores de controlo da doença, embora estes se mantenham dentro dos valores recomendados internacionalmente”, afirma Daniela Figueiredo.

Como sublinha a investigadora do CINTESIS/Universidade de Aveiro, “estes doentes não podem viver sem terapia de substituição renal, sendo que a diálise realizada em unidades especializadas continua a ser o tratamento mais comum”.

No entanto, diz, “este tratamento exige que os doentes tenham de se deslocar pelo menos três vezes por semana a unidades que, durante a pandemia, têm mais dificuldade em seguir as recomendações para pessoas de elevado risco de infeção por COVID-19, como a distância física”.

Outro problema encontrado foi a alteração das rotinas diárias destes doentes, que passaram a fazer menos atividade física, a ter uma alimentação menos adequada às suas necessidades e a evidenciar dificuldades acrescidas na restrição de líquidos. Estes fatores têm um papel determinante no próprio tratamento e controlo da doença renal.

“Alguns doentes consumiram mais alimentos “proibidos” no seu regime alimentar, como pão e laticínios (ricos em fósforo), porque não podiam ou não queriam sair de casa para fazer compras, com medo de serem contaminados. Além disso, sintomas de ansiedade, como boca e garganta seca, tornavam os doentes propensos a beber mais água do que é recomendado”, indica a coordenadora do estudo.

Quanto aos efeitos psicológicos, registou-se um aumento do sofrimento emocional, associado a sentimentos de ansiedade, tristeza e solidão, ao medo de ser infetado e a uma diminuição da autonomia e da autoestima.

“Estes resultados são congruentes com os resultados de um estudo similar realizado na China, que também sugere um aumento do sofrimento emocional no período do confinamento em doentes renais a fazer tratamento em centros de diálise”, acrescenta.

Daniela Figueiredo recorda que os doentes com doença renal terminal são particularmente suscetíveis à infeção por COVID-19, numa combinação explosiva com uma série de fatores de risco, como a idade avançada, a diabetes, a hipertensão e um sistema imunitário mais vulnerável.

Curiosamente, a pandemia teve também alguns impactos positivos, com registo de um aumento do suporte social e familiar, do desenvolvimento pessoal e do uso das redes sociais para comunicar.

Para o futuro, os autores fazem uma série de recomendações que visam ajudar os doentes renais em diálise a lidar com os desafios que possam surgir. “A equipa de diálise pode ter um papel importante na desconstrução de alguns medos dos doentes. Outra possibilidade é a criação de grupos de apoio online, de forma a mitigar as necessidades emocionais, relacionais e educacionais”, aconselham.

Este trabalho, assinado por outros investigadores do CINTESIS (Helena Sousa, Oscar Ribeiro, Roberta Frontini e Constança Paúl), da Universidade do Porto e da Universidade de Aveiro, insere-se no projeto Together We Stand – Promoting adherence in end-stage renal disease through a family-based self-management intervention, financiado pelo POCH – Portugal 2020 e pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).