Ricardo Cruz Correia é Investigador Principal do grupo de investigação HIS-EHR –  Sistemas de Informação em Saúde e Registos de Saúde Eletrónicos, do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), fundador de três spin-offs de sucesso na área da Informática Médica, empreendedor por natureza, adepto da transdisciplinaridade, sempre à procura de novos desafios e de soluções para problemas do mundo real.

A partir dos 12 anos, começou a fazer cursos de programação no IPFEL – Instituto Particular de Formação e Ensino de Línguas, então propriedade do pai. Aos 16 anos, dava suporte aos sistemas de informação do instituto e aos 17 já dava aulas de programação, bases de dados e composição gráfica. Quando chegou a hora de escolher o curso superior, a decisão foi mais ou menos óbvia. Fez a licenciatura em Ciência de Computadores na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), entre 1992 e 1996, com um projeto conjunto com um docente de Física Teórica para simulação de fluxos, usada, por exemplo, na conceção de espaços públicos. Estudou e trabalhou ao mesmo tempo, dando formação e assistência a pequenas empresas, e fundou, juntamente com o pai e o irmão, o centro de formação Ciência e Letras, que lhe proporcionou a primeira experiência como gestor.

Em 2006, concluiu o Mestrado de Informática na FCUP, com uma tese em colaboração com arquitetos. Nesta Faculdade, foi administrador de servidores e chegou a iniciar o Doutoramento. Trocou-o por um novo desafio, o primeiro na área da Saúde, como gestor de um projeto de telemedicina na FMUP, onde passou rapidamente a Assistente e ajudou a criar o Mestrado em Informática Médica (MIM), o primeiro da Universidade do Porto sob o signo de Bolonha, em 2006/2007. Viria a concluir o Doutoramento em 2008, com base num dos muitos projetos de desenvolvimento de software para hospitais em que participou, o projeto HSJ.ICU – Informação Clínica do Utente, em parceria com o Hospital de São João (atualmente Centro Hospitalar Universitário de São João), passando, entretanto, a Professor Auxiliar desta Faculdade, no Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde (MEDCIDS).

“A saúde é particularmente difícil em termos de gestão de informação, o que é aliciante para quem trabalha nesta área. Há muita informação, mas muito mal descrita. É muito difícil garantir que toda a gente escreve e classifica a mesma coisa da mesma forma. Há uma percentagem de classificações que não são coerentes. É semelhante ao que encontrei na Arquitetura; o problema é que, na saúde, as incoerências são críticas”, afirma.

E dá um exemplo: “Continuamos a ter descrições de casos e diagnósticos escritos em caixas de texto corrido. Ainda ninguém inventou uma forma melhor. Não há uma solução mágica. Acho que vai demorar muitos anos. E não basta inventar uma solução, é preciso formar os profissionais e esperar muitos anos para tirar partido disso”.

Ricardo Cruz Correia foi também um dos fundadores do CINTESIS e, com uma centena de artigos científicos publicados, é um dos seus investigadores mais experientes. Aqui tem aglutinado especialistas de dentro e de fora da Universidade do Porto, nomeadamente do Brasil, em projetos de investigação assentes em três eixos fundamentais: semântica, integrações e segurança.

Como explica, a semântica refere-se ao armazenamento e disponibilização de dados numa linguagem e em suportes que os tornem inteligíveis para diversos utilizadores no futuro. As integrações visam aproveitar a informação potencialmente útil para a prestação de cuidados de saúde, mas dispersa por diferentes aparelhos e dispositivos, alguns dos quais estarão, cada vez mais, embutidos no nosso corpo. Trata-se de “um ecossistema muito complexo”, com um “potencial enorme”, mas com muitas dificuldades à vista.

Quanto à segurança, Ricardo Cruz Correia não tem dúvidas de que não há almoços grátis. “Empresas como o Facebook e a Google disponibilizam produtos incrivelmente bons totalmente de graça. É como se a Tesla começasse a oferecer-nos automóveis para conduzirmos. Quem não desconfiaria?”, questiona. A verdade é que há um preço a pagar por essa utilização: a cedência de dados pessoais valiosos, que são vendidos a entidades externas para os mais variados fins. E ninguém sabe que fins serão esses.

Na verdade, “para estas empresas, ou somos clientes, ou somos mercadoria. Esta consciência só surgiu depois de a dependência estar criada e de estarmos reféns. Na Europa, deu-se um passo muito importante com o Regulamento Geral de Proteção de Dados. Vamos ver multas pesadas a grandes empresas, que ainda não fizeram o suficiente. Vai demorar algum tempo, mas não tenho dúvidas de que este será um instrumento essencial para proteger os cidadãos europeus dos abusos de empresas europeias, mas também dos EUA. e da China”.

Da intensa atividade de investigação desenvolvida por Ricardo Cruz Correia na FMUP e no CINTESIS nasceram entretanto três empresas com a missão de criar produtos e serviços inovadores na área da Informática Médica: a HealthySystems, a VirtualCare e a IS4Health, todas com chancela da Universidade do Porto.

“A Universidade do Porto estava a promover a criação de spin-offs como forma de os professores mais dinâmicos verem compensados os cortes salariais sem saírem da Academia. Acho que foi a visão certa, no momento certo, porque havia muitos investigadores a sair da Universidade. Eu próprio cheguei a equacionar essa possibilidade. Na área da Informática, somos constantemente atraídos com propostas aliciantes. A criação das spin-offs deu-nos liberdade para arriscar”, afirma.

De acordo com o especialista, “era comum os nossos colegas olharem-nos de lado quando dizíamos que, além de professores, trabalhávamos em empresas. Era estranho e até malvisto. Hoje já não sinto isso. Foi muito importante que a Universidade do Porto dissesse claramente que cumpríamos um desígnio. Já o mercado reage de forma diferente conforme o projeto. Se estiver em causa informação muito sensível, a ligação à Universidade é uma mais-valia porque a reputação dos académicos é uma garantia. Se estiverem em causa trabalhos corriqueiros e rotineiros, as instituições pensam que não é da esfera das spin-offs”.

Ricardo Cruz Correia espera agora que as empresas que fundou cresçam e ganhem asas para voarem sozinhas, através de outras fontes de financiamento que permitam garantir a sua sustentabilidade no futuro. “Esta é uma nau com mais de 30 funcionários e às vezes fica difícil dormir. Até agora, não há investidores externos, mas esse será o percurso natural, quando surgir o parceiro certo e, em alguns casos, tendo em vista a internacionalização”, conclui.

Ambição a 1 ano

Tenho três objetivos. O primeiro é conseguir levar as startups à independência, dar-lhes sustentabilidade financeira, encontrar parcerias e abrir caminho à internacionalização. O segundo é aproveitar a criação do novo Programa Doutoral HEADS (MEDICIDS/FMUP) para termos sangue novo na docência e na investigação. É preciso formar novos investigadores em Informática em Saúde e ter projetos para os manter. O terceiro é agilizar o protocolo entre CHUSJ e a FMUP, no âmbito do Centro Académico Clínico na área dos Sistemas de Informação, com o objetivo de facilitar a investigação e o uso seguro de dados.

Ambição a 10 anos

A minha ambição será apoiar várias entidades (publicas ou privadas) no seu crescimento. No futuro, espero promover a participação em grandes projetos de investigação a nível europeu.

Vida para além da investigação?

Gosto de passar os tempos livres com os meus filhos. Faço algum desporto, jogo futebol com os colegas, leio e vejo séries. Mas não tenho muita necessidade de tempos livres porque, para mim, trabalhar não é aborrecido. Gosto muito do que faço!