Quem a conhece sabe que corre por gosto e que, talvez por isso, nunca se canse. Rute Almeida é investigadora integrada do CINTESIS/Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, no grupo PaCeIT: Tecnologias e Inovação Centradas no Doente. O trabalho que desenvolve encaixa como uma luva no que sempre sonhou fazer: usar e gerar conhecimento para resolver problemas, em contexto real.

Nasceu no Porto, a 11 de setembro de 1979. Fez todo o percurso escolar na Invicta. Filha de uma enfermeira obrigada a trabalhar por turnos, passou grande parte da infância na casa da avó, em Aldoar. Diz que os seus primeiros anos foram “muito normais”. Sempre gostou muito da escola e de ler, tendo começado a escrever e a ler muito cedo.

“Tenho pena de não ter mais tempo para ler, mas na infância lia tudo o que apanhava em casa. O meu avô tinha uma livraria e levava-me muitas vezes com ele. Nas férias, eu sentava-me num cantinho da livraria e passava lá o tempo”, recorda.

Queria ser “muitas coisas”. Sonhou ser professora para poder ensinar os outros, mas o coração pendeu para a Matemática.  “Não me passava pela cabeça fazer investigação. Acho que, até aos 17 anos, nem sabia o que isso era”, confessa, com o sorriso e a autenticidade que tão bem a caracterizam.

Entrou em Matemática Aplicada à Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) em 1996, com apenas 17 anos, tendo sido sempre a mais nova da turma. Mesmo assim, no quarto ano já dava aulas. Foi na licenciatura que descobriu a investigação, em particular na área da saúde. Acabou o curso em 2000 e fez estágio curricular no Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), em análise e processamento de dados biomédicos, no caso de eletrocardiograma. Uma colaboração que acabaria por se estender ao longo do tempo.

O passo seguinte foi o Doutoramento Europeu em Matemática Aplicada na FCUP, com uma bolsa de quatro anos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), na mesma linha de investigação, isto é, processamento de sinal biomédico. Findo o doutoramento, em 2007, foi convidada para integrar, como investigadora, a equipa do Centro de Investigação Biomédica em Bioengenharia, Biomateriais e Biomedicina, em Zaragoza, Espanha.

Regressou a Portugal em 2012, diretamente para o Centro de Matemática da Universidade do Porto. “A minha vinda para Portugal foi por razões pessoais. O meu filho mais velho, com quatro anos, já falava castelhano. Eu queria que os meus dois filhos fizessem a escolaridade em Portugal”, conta.

Mas Rute queria mais. “O CINTESIS fazia parte do meu plano de regresso. Fiz várias tentativas de colaboração com investigadores do CINTESIS e do CHUSJ, quer na linha dos cuidados intensivos, quer na linha do bem-estar fetal. Mesmo antes de estar formalmente no CINTESIS, já existia esta aproximação. Eu achava que o CINTESIS refletia muito mais esta minha maneira de ver a Ciência como ferramenta para resolver um problema da sociedade do que a dos sítios onde eu estava. Era disso que eu estava à procura: fazer boa Ciência, sim, mas aplicada”, diz.

Chegou oficialmente ao CINTESIS/FMUP em finais de 2016, através do projeto NanoSTIMA – Macro-to-Nano Human Sensing: Towards Integrated Multimodal Health Monitoring and Analytics, como bolseira de pós-doutoramento. Dos sinais cardiorrespiratórios com ênfase na parte cardíaca passou a focar-se sobretudo nas doenças respiratórias. Nessa altura, estavam a iniciar-se ou a decorrer projetos que acabou por acompanhar. Integrou o grupo de investigação PaCeIT desde a sua constituição, em 2018. Hoje, trabalha essencialmente em dois grandes grupos de projetos de desenvolvimento e validação de tecnologias móveis para apoiar a pessoa com doença crónica: por um lado, o INSPIRERS; por outro, o AIRDOC.

Como explica, o projeto INSPIRERS inclui o mINSPIRERS, o Adherence-HTN e as apps InspirerMundi (e sua internacionalização para Espanha com o Código+), Arcade Inspirers e Inspirers-HTN. O mINSPIRERS, desenvolvido no âmbito da FCT, centra-se na monitorização da adesão à terapêutica e do controlo da asma, nomeadamente através da monitorização da adesão aos medicamentos inalados. A aplicação InspirerMundi já está a ser testada, prevendo-se a realização de um estudo randomizado para avaliação da sua utilização em pessoas com a doença. Mais recentemente, este projeto estendeu-se à monitorização da adesão à terapêutica e do controlo da hipertensão arterial, nomeadamente à medição da tensão arterial, com a app Inspirers-HTN, através do Adherence-HTN.

Outro grande projeto do PaCeIT em que trabalha é o AIRDOC, liderado pela MEDIDA, uma spin-off da Universidade do Porto, e financiado pelo NORTE 2020, em consórcio com o Instituto Superior de Engenharia do Porto (ISEP) e parte integrante de um projeto ITEA-3 – PHE (Personal Health Empowerment). O objetivo é apoiar as pessoas com doenças respiratórias crónicas, permitindo a automonitorização e a autogestão da doença, bem como a partilha de informação com profissionais de saúde e o “coaching”. O sistema integra uma aplicação móvel, que está já a ser utilizada em estudos, uma interface para profissionais de saúde e uma base de dados de sons respiratórios que permitirá também potenciar esta linha.

Da análise estatística de dados e processamento de sinal, Rute Almeida passou a dedicar-se também à análise e processamento de imagem (como fotografias tiradas com a câmara do telemóvel para reconhecimento dos dosímetros dos inaladores). Aceitou o desafio de fazer e aprender “coisas novas”, dentro de uma equipa multidisciplinar mais vasta.

“Esta multidisciplinaridade é muito importante e muito invulgar. Normalmente, há dificuldades de comunicação entre pessoas com formações tão diferentes. Nós conseguimos fazer esta ponte porque as pessoas das áreas tecnológicas estão muito habituadas a trabalhar com os profissionais de saúde e vice-versa. Isto facilita os resultados e, sobretudo, a validação do que se faz”, remata.

 

Ambição a 1 ano?

O meu objetivo é continuar a colaborar nestes projetos e tentar chegar à disponibilização destes produtos e ferramentas na prática dos cuidados de saúde. A base de dados de sons respiratórios permitirá fortalecer esta linha de investigação.

Ambição a 10 anos?

A ideia é promover outros projetos que possam incorporar o nosso ecossistema e continuar a análise e processamento de som respiratório e de outros dados passíveis de serem recolhidos com o telemóvel, seja com a câmara, seja com o microfone, tirando verdadeiro proveito destas potencialidades. Este é um nicho que pode ser fortalecido. O CINTESIS é o local ideal para o fazer, devido à sua multidisciplinaridade. Temos recursos, dentro do grupo e noutros grupos, quer na parte tecnológica, quer na parte dos profissionais de saúde, para criar ferramentas que possam ser úteis aos doentes e aos profissionais de saúde, no mundo real.

Que vida para além da investigação?

Faço bastantes coisas, muitas mais do que devia [risos]. Roubo muitas horas ao sono, é um facto. Algo que adoro e que estou impedida de fazer, por causa da pandemia, são as caminhadas. Sempre fiz caminhadas, quer em Portugal, quer em Espanha. Nos últimos anos, descobri o encanto fantástico da observação das aves. É muito bom porque continuo a caminhar, mas agora com mais calma e tranquilidade e mais concentrada no que me rodeia. Isto é o inverso do meu dia a dia, em que ando sempre a correr.

Sou mãe de dois filhos e preciso de dedicar tempo à família. Também sou muito ativa nas associações de pais, faço parte dos órgãos sociais, giro um grupo online de apoio a mães que estão a amamentar, sou catequista e colaboro com o Secretariado Diocesano de Educação Cristã no Porto.

Quando alguém me coloca um problema, o meu ímpeto é perguntar como posso ajudar. E se for alguma coisa que eu não sei bem e que gostava de aprender, melhor ainda! Aliás, esse é um dos encantos da investigação: é estar sempre a aprender!