O Ciência 2017 – Encontro com a Ciência e Tecnologia em Portugal foi “uma festa dos investigadores e Centros de Investigação, a partir da qual poderão alicerçar-se novos projetos de investigação no futuro”. A convicção foi manifestada pelo coordenador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde quando participava numa sessão sobre “Saúde, Investigação Clínica e de Translação”, na qualidade de moderador.
Para Altamiro da Costa Pereira, o Ciência 2017 teve “o condão de colocar dentro do mesmo espaço pessoas com interesses muito diversos e que, de outra forma, não se encontrariam”, permitindo uma discussão transdisciplinar dos principais desafios que se colocam à comunidade científica nacional.
Grupo ProNutri alerta para perigos dos contaminantes alimentares
Nesta sessão, Conceição Calhau, uma das investigadoras do CINTESIS convidadas a participar neste evento, apresentou uma comunicação sobre o papel dos disruptores endócrinos na disfunção metabólica, uma das suas principais áreas de estudo.
A investigadora principal do grupo ProNutri – Clinical Nutritrion & Disease Programming chamou a atenção para o vasto leque de efeitos destas substâncias na saúde humana, incluindo na etiologia da obesidade, conforme demonstram vários artigos da sua autoria já publicados em jornais internacionais.
Conforme explicou, os disruptores endócrinos provêm de uma grande diversidade de fontes com as quais contactamos diariamente, incluindo os pesticidas usados na agricultura, os plásticos utilizados na indústria alimentar, os produtos farmacêuticos e até alguns alimentos, o que faz com que estejamos constantemente expostos à sua ação, designadamente por via oral, inalada e transdérmica.
Apesar dos efeitos cientificamente demonstrados destes poluentes orgânicos no tecido adiposo, na obesidade, na inflamação e no risco cardiometabólico, a responsável acredita que existe ainda uma janela de prevenção, sobretudo durante a gravidez e na infância.
Recolha e tratamento de Dados em Saúde em debate
Pedro Pereira Rodrigues, investigador principal do grupo de investigação BioData – Biostatistics & Intelligent Data Analysis, do CINTESIS, apresentou as maiores controvérsias existentes em Data Science na Investigação em Saúde. Num trabalho realizado em conjunto com Niels Peek, da Universidade de Manchester, o cientista de dados do CINTESIS defendeu que se colocam três grandes questões em Data Science na Investigação em Saúde: “Que dados podem ser usados? Como realizar a análise? Em que poderemos confiar para o fazer?”.
Numa altura em que os sistemas de saúde permitem a recolha de dados em larga escala, coloca-se a questão da produção de conhecimento com base nesses dados. Mas “os dados criados de forma rotineira na área da saúde têm ainda alguns problemas”. A legislação atual define que “os dados só podem ser usados para a finalidade para a qual foram recolhidos, o que coloca entraves às potencialidades criadas pela Data Science”, defende o investigador, salientando ainda a existência de problemas ao nível da captação dos dados.
“Há várias razões para a reutilização dos dados que são recolhidos de forma rotineira pelos sistemas de saúde. São dados recolhidos em quantidade e em profundidade”, explica, acrescentando que “essa informação é relevante para criar conhecimento que sustente as decisões de políticas de saúde”.
“A Data Science pode aproximar-nos mais da causalidade e menos da associação, contribuindo para a construção de conclusões mais robustas. Além disso, é bem mais barata do que os ensaios clínicos e avalia populações maiores”. Apesar destas vantagens, o especialista do CINTESIS defende que é preciso manter a investigação tradicional, para “haver maior conhecimento sobre os confundidores e enviesamento”.
Por último, Pedro Rodrigues destacou a falta de confiança dos cidadãos na cedência dos seus dados. “Os europeus manifestam grandes receios relativamente à utilização dos dados em saúde pelas seguradoras, pelas empresas farmacêuticas e até pelos académicos. No entanto, a sonegação da informação já esteve na base da tomada de decisões erradas”.
Da nutrição à comunicação clínica: CINTESIS apresentou quatro pósteres
O CINTESIS esteve ainda representado por um conjunto de pósteres na área das Ciências Médicas e da Saúde, incluindo Ciências da Enfermagem e Nutrição, em temas tão distintos como a dor crónica, as doenças crónicas e a comunicação clínica.
O investigador André Rosário apresentou, como primeiro autor, um trabalho que vem colmatar a falta de evidência sobre o papel do gérmen de trigo, um subproduto da indústria de panificação, na saúde humana. Intitulado “A randomized clinical trial to evaluate the effect of wheat germ on human health”, o estudo é assinado por vários investigadores do CINTESIS, com destaque para Luís Azevedo.
Este ensaio clínico randomizado duplamente cego vem, assim, demonstrar que não existe um efeito benéfico do consumo de gérmen de trigo, em vários outcomes estudados, designadamente o perfil lipídico, a glicose e o desconforto intestinal.
Em exposição, esteve ainda o póster “Incidence and Health Related Quality of Life of Opial Induced Constipation in Chronic Non-Cancer Pain Patients: a Prospective Multicentre Cohort Study”, da autoria de Dalila Veiga e Luís Azevedo. O trabalho confirma que a obstipação é um efeito adversos comum em doentes com dor crónica não oncológica medicados com opioides, designadamente a nível funcional e na qualidade de vida, alertando para a necessidade de uma abordagem e de uma gestão adequada da administração deste tipo de fármacos neste tipo de pacientes.
Da lista de pósteres apresentados pelo CINTESIS constam ainda os trabalhos “Suffering Dimensions in Adults with Chronic Diseases or Life-threatning Illness”, cuja primeira autora é Paula Encarnação, estudante de doutoramento do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, e “A Comunicação como Determinante de Cultura de Segurança: um Projeto de Investigação”, que tem como primeira autora Cláudia Brás, sob orientação da investigadora Maria do Céu Barbieri, do CINTESIS/ESEP/ICBAS.
Agendas Temáticas de Investigação e Inovação
Antes da sessão oficial de encerramento, foram apresentadas no Encontro os trabalhos decorrentes das 14 Agendas Temáticas de Investigação e Inovação.
Chanceladas pela FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia, estas agendas são desenvolvidas por elementos da comunidade científica e empresarial e de outros setores da sociedade portuguesa, especialistas em cada tema. Neste âmbito, a Agenda Temática sobre Saúde, Investigação Clínica e de Translação contou com a participação de três investigadores do CINTESIS – Pedro Rodrigues, Luís Azevedo e Altamiro da Costa-Pereira.