Não põe em causa a legitimidade da eutanásia. Não se manifesta contra. Mas quer acautelar que, durante o processo, não são cometidos erros irreparáveis. É por isso que Miguel Ricou, investigador na área da Ética do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e membro da plataforma europeia Wish to Die, apela a que o Parlamento não promova uma “discussão apressada” nem legisle “em cima do joelho”.
“O debate sobre a eutanásia e o suicídio assistido tem sido feito à volta de dois eixos ideológicos e sobretudo demagógicos, de que se trata de uma escolha entre o valor da vida ou o respeito pela autonomia. Deveria ser claro para todos que o que está em causa não é se deverá aceitar-se a decisão de alguém em morrer, mas se essa decisão representa a vontade real da pessoa e sobretudo o seu melhor interesse”, defende o especialista em Psicologia, em comunicado.
A plataforma europeia “Wish to Die” integra profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, mas também profissionais de outras áreas, e investe em quatro linhas de estudo: o processo de tomada de decisão, o tempo necessário para uma possível mudança de opinião, a relevância da motivação familiar e o papel dos cuidados paliativos, no âmbito da eutanásia e do suicídio assistido. Estes profissionais defendem que, sem informação científica de qualidade sobre estes temas, não é possível definir uma legislação equilibrada.
Assim, o investigador pretende que a plataforma “Wish to Die” seja ouvida pelo Parlamento, antes da votação de um projeto-lei sobre eutanásia. “Temos de perceber qual é o melhor interesse das pessoas. Há decisões que não podem ser baseadas em razões ideológicas”, sublinha.
Uma das lacunas apontadas pelo especialista em psicologia ao atual projeto-lei é que “não faz a distinção entre a pessoa que tem uma doença terminal e alguém que tem uma doença incurável, mas que provavelmente não morrerá disso”. De acordo com o investigador do CINTESIS, os mecanismos envolvidos serão diferentes.
O também docente da Faculdade de Medicina da U.Porto (FMUP) defende que os profissionais de saúde deverão ter um contributo muito mais importante neste debate, do que aquele que lhes tem sido reservado. “Aquilo que os profissionais de saúde se comprometem a fazer é, com a sua prática, ajudarem a pessoa a fazer as escolhas que promovam o melhor resultado possível para cada um. Não existem por isso escolhas proibidas ou obrigatórias à partida, pelo que as decisões dicotómicas dificilmente serão aquelas que um profissional de saúde possa defender”, resume.