Uma equipa de investigadores de Portugal (Universidade do Porto), Irlanda, Itália e Espanha validou uma nova ferramenta eHealth para utilização em programas de rastreio de défices cognitivos, característicos de situações de demência, por exemplo.
Os resultados do trabalho de validação desta ferramenta, designada Qmci-P, foram publicados na revista Translational Medicine, sendo o primeiro autor Pedro Machado dos Santos, investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da universidade do Porto (ICBAS).
“O Quick Mild Cognitive Impairment (Qmci) é um instrumento breve de rastreio desenvolvido para diferenciar a cognição normal do défice cognitivo ligeiro e da demência ligeira. É uma escala de avaliação sensível a todo o espetro de declínio cognitivo, validada em múltiplos contextos, países e idiomas. É ideal para uma triagem rápida e consequente referenciação para uma avaliação mais compreensiva”, explica o investigador.
O rastreio é feito através de um instrumento com seis subtestes que avaliam dimensões cognitivas como a orientação, a linguagem ou a memória de trabalho. Face a outros instrumentos de rastreio cognitivo, a versão portuguesa do Qmci é igualmente válida, mas a sua aplicação é mais rápida: apenas 3 a 5 minutos, em comparação com 7 a 8 minutos do MMSE e a 10 a 12 minutos do MoCA. A sua brevidade torna este instrumento particularmente indicado para rastreios futuros na comunidade, como por exemplo em Centros de Saúde.
Como o especialista faz questão de sublinhar, “as demências constituem um desafio cada vez mais relevante do ponto de vista social e de saúde pública e têm, reconhecidamente, fortes impactos sociais e económicos, tendo em conta as diferentes exigências ao longo do seu percurso. Contudo, o seu diagnóstico tende a ser tardio”.
“Existem muitas alterações subliminares que não chegam a receber diagnóstico, mas que exigem cuidados e que tendem a agravar-se com o tempo. Contudo, na prática, as alterações cognitivas em adultos mais velhos são frequentemente subestimadas e atribuídas ao envelhecimento, tanto por profissionais como pelos próprios doentes e famílias, que se sentem desencorajados a procurar ajuda ou a relatar os sintomas”, acrescenta.
De acordo com Pedro Machado dos Santos, “este trabalho vai permitir que os profissionais de saúde tenham acesso a um novo instrumento para identificação de adultos mais velhos com declínio ou défice cognitivo numa fase precoce”.
Além disso, “possibilitará o desenvolvimento de estratégias multidimensionais que possam atrasar o declínio cognitivo ou a demência e facilitará o controlo e a gestão dos sintomas. Na prática, contamos contribuir para um melhor estadiamento das perturbações cognitivas, planeamento e adequação das intervenções terapêuticas e, por conseguinte, para o reforço do bem-estar e a qualidade de vida das pessoas e dos seus cuidadores, em cada fase da doença”.
Com efeito, “se houver uma identificação atempada, podemos adaptar as respostas e melhorar o apoio aos doentes e às famílias. Vamos, por isso, continuar a trabalhar na adaptação do instrumento a mais realidades e a aperfeiçoar o conhecimento sobre as suas mais valias, quer ao nível das propriedades métricas do próprio instrumento, quer na sua adequabilidade aos protocolos de avaliação e aos vários contextos de prestação de cuidados”, reforça o investigador.
Desenvolvido no âmbito do RAPid COmmunity COGnitive screening Programme (RAPCOG) twinning project, o projeto visa ainda implementação da ferramenta noutras línguas, além do português, permitindo ainda uma harmonização das práticas. Do grupo internacional faz também parte Constança Paúl, investigadora do CINTESIS, além de Diretora do Departamento de Ciências do Comportamento e Professora Catedrática do ICBAS.
A demência é um problema de saúde pública em crescimento, associando-se a um aumento do risco de maior morbilidade, custos elevados e incapacidade. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que em todo o mundo existam 47,5 milhões de pessoas com demência, número que pode atingir os 75,6 milhões em 2030 e quase triplicar em 2050 para os 135,5 milhões.
A nível nacional, os mais recentes dados epidemiológicos apontam para a existência de 160.000 a 185. 000 pessoas com demência. O relatório “Health at a Glance 2017” (“Uma visão da saúde”) coloca Portugal como o 4.º país da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) com mais casos de demência por cada mil habitantes. A média da OCDE é de 14,8 casos por cada mil habitantes, sendo que para Portugal a estimativa é de 19,9.