A Aula Magna da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) encheu-se de investigadores, profissionais de saúde, estudantes e docentes que quiseram participar no evento “Comissões de Ética e Investigação em Saúde – impacto das alterações na lei e desafios para o futuro”, que decorreu no passado dia 18 de outubro, com o apoio do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ).
João Fonseca, investigador do CINTESIS e diretor do Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde (MEDICDS) da FMUP, foi o responsável pela iniciativa, cujo objetivo foi “construir pontes” e promover o diálogo entre investigadores e Comissões de Ética (CE).
O diretor da FMUP, Altamiro da Costa Pereira, e o presidente do Conselho de Administração do CHUSJ, Fernando Araújo, participaram na cerimónia de abertura, tendo sublinhado a importância da investigação em saúde para o conhecimento biomédico e para a prestação de melhores cuidados, em total respeito pelos princípios éticos, e apontaram a existência de uma Comissão de Ética comum como um bom exemplo das sinergias e do trabalho conjunto desenvolvido pelas duas instituições.
“Juntos somos mais fortes do que a soma das partes”, afirmou Fernando Araújo, que também interveio no primeiro painel. Falando sobre a nova lei das Comissões de Ética (DL 80/2018, que estabelece os princípios e regras aplicáveis às comissões de ética de instituições de saúde, instituições de ensino superior e centros de investigação biomédica que desenvolvem investigação clínica), o responsável considerou que esta deve ser vista como “um instrumento e não um fim em si mesma” e que o seu sucesso depende da forma como é aplicada.
Numa discussão moderada por Alberto Hespanhol (FMUP/presidente da CE da Administração Regional de Saúde do Norte), os intervenientes avaliaram o panorama nacional das CE e discutiram as principais dificuldades, com destaque para a falta de formação, os atrasos nos pareceres, o excesso de burocracia e a duplicação de tarefas.
Paulo Santos, investigador do CINTESIS, docente da FMUP e membro da CES da Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, lembrou que “a ética não é uma ciência exata” e testemunhou que os investigadores se sentem tratados por vezes como “irresponsáveis, perigosos e até incompetentes” pelas CES, que podem incorrer no “risco de paternalismo” em relação aos doentes.
Miguel Ricou, investigador do CINTESIS, docente da FMUP e presidente da Comissão de Ética da Ordem dos Psicólogos Portugueses, confirmou que alguns colegas se sentem “ofendidos com observações” das CE, lamentou a “mania da desconfiança” e a “violência” da duplicação de trabalho exigida.
Quanto à avaliação dos aspetos metodológicos pelas CE, Luís Azevedo (CINTESIS/FMUP) lembrou que é uma exigência da própria lei, mas concordou que é preciso tornar os procedimentos mais simples e rápidos, cumprir prazos e melhorar a formação dos elementos das CE nesta área.
Já Ana Margarida Ferreira (CINTESIS/FMUP) e Rui Guimarães (Responsável pelo Acesso à Informação do CHUSH/FMUP) colocaram a ênfase na necessidade de proteger os dados dos doentes, seja por via do cumprimento do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), seja por outras vias, como a vinculação dos investigadores a certas obrigações ou a criação de grupos de trabalho com a incumbência de recolher e tratar os dados.
A este primeiro painel seguiu-se um debate entre investigadores e elementos de CES a nível nacional, com moderação da jornalista Lígia Pinto. António Faria Vaz (RedÉtica – Associação Nacional de Comissões de Ética/INFARMED), Hélder Mota Filipe (Comissão de Ética para a Investigação Clínica – CEIC), Laura Ribeiro (FMUP), Filipe Almeida (CHUSJ/FMUP), Francisca Saraiva (UnIC), Pedro Pereira Rodrigues (CINTESIS/FMUP) e António Soares (CINTESIS/FMUP) discutiram propostas para um efetivo diálogo entre CES e investigadores.
Confrontado com queixas sobre dificuldades e atrasos, Hélder Filipe garantiu que as duas instituições têm “a preocupação de não serem um passo limitante”, contribuindo “para que Portugal possa ser competitivo” na área dos ensaios clínicos.
No final, Rui Nunes (CINTESIS/FMUP/presidente da Associação Portuguesa de Bioética) lançou um repto às Comissões de Ética para que apostem na formação e para levem estas questões para a sociedade e para as escolas, contribuindo assim para uma “cidadania responsável” desde idades precoces. O especialista deixou ainda o desafio de se avançar para as CE 3.0, fazendo “todo o sentido que haja uma separação entre CE de investigação, CE de Bioética Clínica e, porque não, de CE de investigação animal”.
Veja ainda:
A opinião dos investigadores: Luís Filipe Silva (I3S/FMUP), André Moreira (ISPUP/FMUP), Júlio César Rocha (CINTESIS/NOVA Medical School), André Albergaria (I3S/FMUP), Delfim Duarte (I3S/FMUP/IPO Porto) e Armando Mansilha (UnIC/FMUP) contam os principais aspetos positivos e as dificuldades que surgem na relação entre investigadores e Comissões de Ética.
A opinião dos estudantes: Quais as competências necessárias para integrar uma Comissão de Ética? Gostaria de ter tido mais formação sobre os aspetos éticos e regulamentares para a submissão de pedidos de parecer? Bárbara Antunes e Hugo Monteiro, estudantes de pós-graduação da FMUP, dão a sua opinião.
A opinião dos membros das Comissões de Ética: Como avaliar a relação entre investigadores e Comissões de Ética? Natália Teles e Pedro Brito dão a visão das Comissões de Ética e deixam algumas sugestões que podem facilitar esta interação.