É conhecido como professor de Anatomia e como investigador prolífico do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, mas também como fotógrafo com um vasto trabalho artístico. Dissecamos a vida de José Paulo Andrade e deixamos um retrato escrito.
José Paulo Andrade nasceu em 1962, em Guimarães. Ali cresceu e estudou até completar o antigo Liceu. Quis ser médico, tal como o pai, que faleceu quando ele tinha apenas seis anos de idade. A precocidade desta perda não deixou de influenciar toda a sua vida. Entrou em Medicina na FMUP e estava no 5º ano do curso quando começou a dar aulas, como monitor. Terminou a licenciatura em 1986. Foi, ao mesmo tempo, docente e médico interno em Patologia Clínica. A nível académico, fez a Prova de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica, e, mais tarde, o Doutoramento e depois a Agregação. Dedica-se inteiramente à investigação e à docência, sendo atualmente Professor Associado da FMUP.
A sua entrada no CINTESIS deu-se a convite do seu fundador e coordenador, Altamiro da Costa Pereira. Com ele, entraram vários investigadores do antigo Centro de Morfologia Experimental, como são os casos de Dulce Madeira e de Armando Cardoso, antiga e atual investigadores principais do grupo NeuroGen – Degenerescência e Regeneração Neuronal.
A nutrição é, desde sempre, um dos principais temas da sua investigação. Ao longo de décadas, tem realizado múltiplos estudos nesta área, nomeadamente sobre a malnutrição proteica, a restrição calórica, o papel dos antioxidantes na saúde ou o efeito de alimentos ricos em gordura, açúcar e calorias na aprendizagem e na neurogénese.
Tanto se embrenha no laboratório como a seguir está em frente ao computador para fazer revisões da literatura. Acredita que os dois tipos de trabalho são complementares e fazem do processo. Durante a pandemia, porém, confessa que “o trabalho em laboratório tem sido muito difícil”.
Confessa recear as extrapolações diretas e precipitadas de trabalhos em modelo animal e em laboratório para o ser humano. Reforça, contudo, que estes estudos dão “pistas essenciais” para o avanço do conhecimento e da ciência.
Um dos seus trabalhos mais conhecidos é o que mostrou que as catequinas, presentes no chá verde, ajudam a proteger o cérebro da neurodegeneração relacionada com a idade. “A verdade é que existem estudos que indicam que as pessoas que bebem chá verde têm menos doenças como enfarte do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais e até podem viver mais tempo”, observa.
Mais recentemente, José Paulo Andrade estudou a influência da nutrição e dos estilos de vida na degenerescência macular da idade, doença que constitui a primeira causa de cegueira nos países ocidentais, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS).
No estudo “Nutritional and Lifestyle Interventions for Age-Related Macular Degeneration: A Review”, publicado no Oxidative Medicine and Cellular Longetivity, o cientista concluiu que estes doentes deverão ser aconselhados a aumentar o consumo de vegetais e de peixes gordos, alimentos típicos da Dieta Mediterrânica, sendo que os casos moderados e avançados deverão beneficiar da toma de suplementos em vitaminas, beta-caroteno e zinco.
Quanto à dieta de “snack bar”, o artigo “Cafeteria-diet effects on cognitive functions, anxiety, fear
response and neurogenesis in the juvenile rat”, publicado no Neurobiology of Learning and Memory , aponta efetivamente para um efeito negativo do consumo de alimentos altamente calóricos na aprendizagem e na memória, bem como uma diminuição da neurogénese no hipocampo, em ratos.
Entre os seus muitos artigos (soma mais de 1.500 citações dos seus trabalhos), destaca-se uma revisão sobre a neurogénese na formação do hipocampo no ser humano adulto (“Adult Hippocampal Neurogenesis: Regulation and Possible Functional and Clinical Correlates”), publicado no Frontiers in Neuroanatomy, em 2018. Este trabalho, que rapidamente se tornou num dos mais vistos, mais descarregados e mais partilhados online nesta revista, José Paulo Andrade expõe as dúvidas que subsistem, na literatura, a respeito da própria existência da neurogénese no adulto e da sua extensão, com grupos a que apresentarem resultados positivos e outros grupos muito mais céticos.
A estes trabalhos somam-se outros, baseados na dissecção de peças anatómicas do sistema nervoso central por um método chamado “Klingler”, com aplicação na prática neurocirúrgica e no ensino médico. Os resultados foram publicados no Clinical Neurology and Neurosurgery” e no Annals of Anatomy.
“Praticamente ninguém faz isso. A disseção do encéfalo teve um enorme avanço no século XX, foi algo abandonada devido à Imagiologia e agora está a ser retomada. Há muita coisa que não se consegue ver na imagem. O recurso a cadáveres continua a ser extremamente importante, diria mesmo obrigatório, no ensino da Medicina. Os meios eletrónicos são muito bonitos, mas é preciso pegar, ver e manipular para conhecer”, afirma.
Em todas as áreas pelas quais se multiplica, revela que continua a aprender, todos os dias. E o corpo humano continua a fasciná-lo. “O mais espantoso é que o corpo humano nunca é como nos livros. Estamos sempre a descobrir coisas novas”, diz.
Outra grande paixão da sua vida é a fotografia. No CINTESIS e na FMUP, todos o conhecem pelas fotos e projetos fotográficos que expõe e que vai partilhando em sites com a sua assinatura e nas redes sociais. Tem feito exposições individuais e coletivas, a mais recente das quais pode ser vista até 12 de dezembro, na PB27 Gallery, no Porto. O tema, desta vez, é bem diferente. Sempre muito dedicado a captar paisagens naturais e urbanas, a cores ou a preto e branco, lança-se agora no mundo das (auto)perceções e ilusões, com uma série de provocações, na fronteira entre a ciência e a arte. É ver para crer.
Ambição a 1 ano?
Quero terminar alguns trabalhos e continuar com os estudos laboratoriais. Espero retomar o trabalho laboratorial em breve.
Ambição a 10 anos?
Não consigo imaginar como será daqui a 10 anos. Ninguém diria, há três anos, que iria haver esta situação atual devido a este vírus. Existe uma grande imprevisibilidade. O que era seguro e certo deixou de o ser.
Que vida para além da docência e da investigação?
A fotografia é um passatempo desde a adolescência. Antigamente, gastava sempre muitos rolos [risos]. Desde o digital, é claro que houve um salto qualitativo. Fotografo sobretudo paisagem urbana e paisagem natural. Faço muitas viagens em que o objetivo único é fotografar. Recordo-me particularmente das viagens que fiz à Islândia e às Dolomites (em Itália). Este ano, fui aos Açores. Atualmente, tenho uma exposição resultante do meu Master em Fotografia Artística, no Instituto de Produção Cultural e Imagem (IPCI). É diferente de todas as outras porque quis misturar ciência e arte. Pergunto: o vermelho que eu vejo será o mesmo que os outros veem? Será que o que vemos é mesmo a realidade ou será que o que vemos é uma produção do nosso cérebro?