Chama-se Acácio Gonçalves Rodrigues e é coordenador do grupo de investigação MicroMed, do CINTESIS, Professor Associado, com Agregação, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde lidera o Laboratório de Microbiologia, e médico especialista no Centro Hospitalar de São João, onde coordena a Unidade de Queimados do Serviço de Cirurgia Plástica, Reconstrutiva e Estética desde 2006.
Nascido e criado no Porto, a sua família é oriunda maioritariamente do Douro e de Trás-os-Montes, onde passava uma grande parte das férias, a que mantém profundas ligações. “Sou um homem de campo e do campo. Gosto muito da vida ao ar livre”, conta.
Em 1982, com 18 anos, ingressou na FMUP, tendo concluído o curso de Medicina em 1988. “A minha escolha por Medicina teve a ver com a investigação. Não tinha aquele ideal de cuidar dos outros, embora eu seja oriundo de uma família de médicos. Falei com algumas pessoas, que me disseram que, se queria fazer investigação, para mais no âmbito da Microbiologia, teria de ir para a Faculdade de Medicina”, lembra.
Na base desta decisão esteve, curiosamente, uma leitura precoce: “Eu comecei a ler muito cedo (aos cinco anos já lia perfeitamente) e o primeiro livro que li na infância foi uma biografia ilustrada sobre a vida de Louis Pasteur. Esse livro contava duas histórias que me impressionaram: uma era sobre o carbúnculo (anthrax), a pústula maligna, que causava uma ferida, especialmente na cara, tratada com ferro em brasa; outra era a história de um menino francês que foi mordido por um cão raivoso e a quem Pasteur foi administrando quantidades crescentes de extrato/macerado do sistema nervoso do cão e o imunizou”.
Acácio Rodrigues foi tocado sobretudo pela primeira história porque, “em Alfândega da Fé, na casa da minha avó paterna, havia uma criada, uma senhora admirável e muito bonita, mas que tinha uma cicatriz de um dos lados da face. Nesse verão, perguntei-lhe a razão daquela cicatriz e ela respondeu-me que, quando era nova, tinha tido uma ferida e um ferrador queimou-a com ferro em brasa, para a salvar. Eu associei ao livro de Pasteur. Aquilo marcou-me; de facto tinha sido carbúnculo”.
Conseguiu concretizar a sua ambição de investigar, tendo começado logo no segundo ano do curso. Mas algo mudou. “A verdade é que, durante o curso, comecei a gostar de ver doentes”, lembra. Passou pelo Serviço de Doenças Infeciosas, numa altura em que se registava o “boom” da infeção VIH-SIDA, mas não era isso que o atraía. Queria tratar os doentes graves, com sépsis e falência multiorgânica. Por isso, especializou-se em Anestesia e Cuidados Intensivos no H. S. João em 1995 e fez a subespecialização em Medicina de Emergência em 2002.
A Suécia também é um ponto de passagem obrigatório na sua biografia, durante o internato médico. A primeira vez que esteve no país foi em 1990. Regressou nos anos seguintes, aproveitando as férias para aprofundar a sua investigação no Institute of Clinical Bacteriology da Universidade de Uppsala, com recursos de que não dispunha em Portugal. Chegou mesmo a estar inscrito como aluno de doutoramento na universidade sueca e admite que esteve seriamente tentado a fazer a sua carreira fora do país. Dessa passagem pela Suécia, ficam também memórias familiares, com a mulher, Cidália Pina Vaz, que conheceu quando eram estudantes, a acompanhá-lo. “Tenho fotografias da minha filha mais velha, então com quatro meses, no laboratório connosco”, recorda.
“Sou um cintesiano dos quatro costados”
Entretanto, Acácio Rodrigues doutorou-se pela FMUP e, a partir de 2000, optou por se dedicar sobretudo à docência (dá aulas desde o sexto ano do curso) e à investigação, mas mantendo atividade clínica no CHUSJ. O CINTESIS surgiu na sua vida por convite de Altamiro da Costa Pereira. “Quando integrei o CINTESIS, eu pertencia a outra unidade de investigação. Hoje, sou um cintesiano dos quatro costados. O CINTESIS é uma instituição que deu mais do que provas daquilo que é capaz de fazer. É curiosa a evolução que estas unidades vão tendo, em que se perfila agora a possibilidade de nos voltarmos a fundir. “Como dizia Lavoisier, nada se cria, tudo se transforma; ou, como dizia o nosso Camões, a vida é composta de mudança”, cita.
No grupo de investigação que lidera, os tempos são desafiantes. “Continuamos a trabalhar, com todas as dificuldades inerentes à pandemia de COVID-19, que obriga as pessoas a estarem o mais afastadas possível. A investigação em Microbiologia não se faz em teletrabalho. Escreve-se longe do laboratório, mas para isso é preciso haver dados, e estes vêm do trabalho laboratorial, que foi seriamente prejudicado. Ainda assim, conseguimos publicar 11 artigos durante o ano, o que foi bom [são mais de uma centena e meia de artigos científicos publicados em revistas internacionais indexadas]. Se esta pandemia se prolongar, a nossa investigação será muito afetada. E prevejo que possa prolongar-se por um tempo considerável. Não estejam à espera de milagres”.
O MicroMed tem-se dedicado à investigação em Microbiologia Médica, nomeadamente a microrganismos emergentes e ao desenvolvimento de novos meios ou ferramentas de diagnóstico, com base em novas tecnologias disruptivas, numa ponte com a FASTinov, spin-off da Universidade do Porto e do CINTESIS de que é cofundador, financiada pelo Horizonte 2020. Alguns dos principais trabalhos têm sido feitos em áreas como a resistência aos antimicrobianos. Além de patogéneos respiratórios como Legionella pneumophila, que não poderiam estar mais na ordem do dia, a equipa assesta baterias contra outros perigosos inimigos da saúde pública, como o Acinetobacter baumannii e Candida auris.
“As infeções fúngicas invasivas também não podem ficar para trás. O maior impacto deste novo coronavírus também é, não por acaso, em pessoas mais frágeis, com doenças associadas e com défices imunológicos causados por diferentes razões, como procedimentos médicos, patologias, tratamentos”, nota. E no decurso do internamento por COVID-19, esses agentes emergentes voltam a cobrar um número importante de vidas.
O controlo da infeção em contexto hospitalar é outra prioridade. “Tudo contribui, neste momento, para uma tempestade perfeita em termos de infeções associadas aos cuidados de saúde”, alerta. Também a sustentabilidade e a segurança alimentar são áreas de investigação em curso. “Há uma série de fármacos, como antifúngicos, que são usados na agricultura, mas que despertam resistência cruzada aos antifúngicos usados para tratar humanos. Está tudo ligado, é o que nos diz o conceito de uma só saúde”, diz.
Quanto ao futuro mais imediato, Acácio Rodrigues quer “robustecer cada vez mais a equipa e robustecer cada vez mais o CINTESIS”. Além disso, gostava de ver constituído o novo Laboratório Associado proposto, RISE – Health Research Network From The Lab to The Community, de que faz parte. A longo prazo, prefere não fazer planos: “A pandemia trouxe para a ribalta a noção do imprevisível, do imponderável, do incontornável”.
Que não lhe falte tempo para fazer outras coisas de que gosta, para além do trabalho, como passear no campo, ler e escrever. E quem sabe, um dia, os seus outros escritos, que não os do médico, professor e investigador, vejam a luz do dia.