A crise pandémica é uma oportunidade única para redefinir prioridades e replanear os cuidados prestados às pessoas que residem em lares e noutras estruturas residenciais destinadas a idosos (ERPI), em Portugal, reforçando o investimento em recursos humanos e garantindo o respeito pelos direitos de profissionais e utentes.
Esta é uma das conclusões de um estudo que envolveu investigadores do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde em diferentes Universidades do país (Universidade do Porto, Universidade da Beira Interior e Universidade de Aveiro).
O estudo, agora divulgado, teve como principal objetivo analisar a perspetiva dos profissionais das ERPI sobre o impacto da pandemia nos cuidados e as suas experiências de trabalho durante e após o primeiro confinamento.
Ao todo, participaram 784 profissionais. Destes, cerca de 80% trabalham em Instituições Particulares de Solidariedade Social. Na sua maioria, são diretores técnicos, mas há também enfermeiros e auxiliares e idades compreendidas entre os 19 e os 71 anos.
Os resultados do inquérito efetuado provam que a pandemia de COVID-19 teve “consequências negativas em quem vive e trabalha nas ERPI, expondo vulnerabilidades pré-existentes em termos de recursos humanos, físicos e psicossociais”.
Quanto ao impacto nos cuidados prestados, mais de metade dos participantes admitem uma “maior dificuldade em responder às necessidades básicas dos idosos, como higiene e alimentação, e em proporcionar-lhes atividades de ocupação, no respeito pelos seus direitos e pela sua autodeterminação”.
“A pandemia legitimou um modelo de cuidados tradicional assistencialista, assente em procedimentos padronizados, que interpreta as pessoas idosas como um grupo homogéneo recetor de cuidados passivo e que promove o paternalismo”, indicam, a propósito, os investigadores.
Os profissionais destas estruturas residenciais queixam-se ainda do “impacto nas suas condições de trabalho”, desde logo com mais horas prestadas por turno. Cerca de 15% destes profissionais chegaram mesmo a residir, temporariamente, nas instituições onde trabalham, de modo a proteger os utentes.
Esta sobrecarga de trabalho, devida em parte à falta de trabalhadores em fases críticas, constitui “um risco não só para a saúde, segurança e bem-estar dos próprios profissionais, mas também para a prestação de cuidados”.
Para a equipa do CINTESIS, os lares e estruturas residenciais para idosos devem reivindicar um maior investimento, político e financeiro, em recursos humanos, equipamentos, acompanhamento e intervenções que “salvaguardem a dignidade, os direitos e o bem-estar físico e mental de quem vive e trabalha nas ERPI portuguesas”.
Os investigadores entendem que a crise pandémica deve ser encarada como “uma oportunidade” para uma mudança de paradigma, com a implementação de Cuidados Centrados na Pessoa.
Neste modelo, os idosos são colocados no centro da dinâmica de cuidados, tendo “um papel decisor ativo sobre a sua vida e o seu quotidiano”. Assim, deverão existir um “equilíbrio” entre a gestão da infeção e o respeito pelos direitos, necessidades e bem-estar das pessoas idosas, preservando-se a sua “participação social e a sua saúde física e mental”.
Do mesmo modo, dizem os investigadores, “é urgente iniciar, retomar ou intensificar programas de reabilitação e ocupações com os idosos para que estes possam recuperar das sequelas do confinamento”.
A equipa do projeto “Atenção Centrada na pessoa na prestação de cuidados na velhice: abordagens e instrumentos de avaliação” é composta por Maria Miguel Barbosa e Rosa Marina Afonso, investigadoras do CINTESIS/Universidade da Beira Interior (UBI), além de Constança Paúl e Laetitia Teixeira (CINTESIS/ICBAS), Liliana Sousa (CINTESIS/Universidade de Aveiro) e Javier Yanguas (Fundación “La Caixa”).
Este projeto recebeu financiamento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), através de uma bolsa de doutoramento atribuída a Maria Miguel Barbosa (CINTESIS/UBI).