Aos 33 anos de idade, Francisco Sampaio é investigador doutorado integrado do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, pertencendo ao grupo de investigação NursID – Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem. Começou cedo a trilhar os caminhos da Ciência e a dar nas vistas, nas revistas científicas e nos média, com os resultados do seu trabalho, com destaque, mais recentemente, para a análise dos efeitos da pandemia de COVID-19 na saúde mental dos enfermeiros em Portugal.
A história da sua vida começou no Hospital de São João, onde viu pela primeira vez a luz do dia. Morou em São Mamede de Infesta até aos seis anos, altura em que se mudou, com a mãe, para a Senhora da Hora, também no concelho de Matosinhos, onde estudou. Era adolescente quando sonhou ser professor. Não um professor qualquer. Seria professor de português.
“Ainda hoje, quando corrijo trabalhos, presto muito atenção às questões linguísticas. Até como enfermeiro, na documentação de cuidados, tinha sempre muita atenção a essas questões. Também sempre li muito, desde novo. Hoje, infelizmente, tenho pouco tempo para dedicar à literatura não científica, como romances, que deixo para ler sobretudo nas férias”, conta.
O desejo de seguir um curso com mais garantias de empregabilidade, aliado ao incentivo familiar nesse sentido, levou-o para a área das Ciências e Tecnologias. Começou a interessar-se pela área da Saúde no Ensino Secundário. Ainda pensou em ser médico (psiquiatra, mais concretamente, pois sempre se interessou pela compreensão do funcionamento da mente), mas não chegou a candidatar-se. Se o tivesse feito, ficaria à porta por poucas décimas. A alternativa foi óbvia: Enfermagem. Entrou na Escola Superior de Enfermagem de D. Ana Guedes, atual Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), em 2006, tendo concluído o curso em 2010.
“Gostei do curso e dos colegas. Percebi que, em Enfermagem, também poderia seguir a área da Saúde Mental. Logo no primeiro ano do curso ficou claro, para mim, que a minha área seria aquela. Quando fiz o estágio no Hospital de Magalhães Lemos, essa opção ficou ainda mais evidente”, lembra.
Ponderou emigrar, como fizeram muitos dos seus colegas, numa altura que era de grande crise económica e de falta de emprego. Decidiu fazer primeiro o Mestrado em Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiatria, também na ESEP, e esperar para tomar uma decisão. Dizem que a sorte protege os audazes e Francisco Sampaio foi audaz. Enquanto estudava e prestava serviços como enfermeiro, sobretudo ao domicílio, não deixou de enviar currículos. O Hospital de Braga chamou-o para uma entrevista. Não ficou desde logo, mas não desistiu e, em novembro de 2011, estava já a trabalhar no Serviço de Psiquiatria, onde se manteve até 2018.
“Lembro-me que estava a ter uma aula, no segundo ano do Mestrado, quando me telefonaram a perguntar se mantinha o interesse porque havia uma vaga no Serviço de Psiquiatria, precisamente onde eu gostaria de trabalhar. Em novembro desse ano, mudei-me para Braga e estive lá até outubro de 2018”, recorda.
Foi durante o Programa Doutoral em Ciências de Enfermagem da Universidade do Porto que passou a fazer parte do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, como investigador, pela mão de Carlos Sequeira, seu orientador de Mestrado e de Doutoramento e coordenador do grupo NursID, ao qual pertence.
“A experiência no CINTESIS tem sido francamente positiva. O CINTESIS dá-nos duas coisas muito importantes: a primeira é a possibilidade de realizar candidaturas a financiamento competitivo. É praticamente impossível ter financiamento se não estivermos integrados numa unidade de investigação. Em segundo lugar, o facto de ser um centro de investigação multidisciplinar facilita-nos o acesso a profissionais de outras áreas. Na Saúde, a multidisciplinaridade é essencial, sobretudo nas candidaturas a financiamento”, explica.
A primeira investigação da sua lavra no CINTESIS foi no Doutoramento, com o desenvolvimento e avaliação da eficácia de um modelo de intervenção psicoterapêutica em Enfermagem, concretamente no domínio do diagnóstico de Enfermagem “ansiedade”. Modéstia à parte, o investigador salienta a importância deste modelo, já que este viria a servir de base a muitas investigações posteriormente desenvolvidas. Foi um marco, a primeira pedra para a criação de uma nova linha de investigação.
Após a conclusão do Doutoramento (2018), avançou para o Pós-Doutoramento, no CINTESIS/Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), concluído já este ano, e prosseguiu a sua investigação, com destaque para a criação de um modelo clínico de dados, também centrado na Enfermagem e na ansiedade. O objetivo foi desenvolver um modelo integrável nos sistemas de informação de Enfermagem e que fosse facilitador da documentação de cuidados pelos enfermeiros. Francisco Sampaio salienta o contributo deste trabalho inserido no desenvolvimento de uma “Ontologia em Enfermagem” que se pretende baseada na evidência científica.
Paralelamente, e após quatro anos (2014 e 2018) como Assistente Convidado na ESEP, surgiu a oportunidade de se dedicar mais ao Ensino, na Universidade Fernando Pessoa. Mais uma vez, foi após uma candidatura espontânea.
“A área do Ensino sempre me cativou. Os professores podem fazer uma grande diferença, não só na vida dos estudantes como na própria profissão. Tive bons professores, que foram uma inspiração, para os quais eu olhava e pensava que um dia gostaria de ser como eles. A minha opinião é que os enfermeiros não deveriam abandonar totalmente a prática clínica. Contudo, sabendo que tal não era possível, tive de abandonar a prática clínica para me dedicar a tempo inteiro ao Ensino”, justifica.
Logo em março de 2020 percebeu a relevância de estudar os efeitos da pandemia de COVID-19 sobre a saúde mental dos enfermeiros, tendo começado a recolher dados e analisá-los, em colaborações com colegas do CINTESIS, em particular de Carlos Sequeira e da matemática Laetitia Teixeira. Os resultados dos trabalhos daqui resultantes foram amplamente divulgados nos média. Em aberto está a possibilidade de avaliar, futuramente, a ocorrência de stress pós-traumático nestes profissionais de saúde.
“Apesar de tudo, parece ter havido alguma adaptação. Atualmente, os níveis de ansiedade e stress dos enfermeiros não são comparáveis aos do início da pandemia. Mas também é evidente que a pandemia deixou marcas em muitas pessoas, nomeadamente em enfermeiros, que, ao experienciarem elevados níveis de ansiedade e stress, sofreram alguma perturbação na sua saúde mental que não teriam sofrido se não tivessem passado por aquela experiência. É preciso continuar a prestar atenção à saúde mental destas pessoas”, apela.
Por outro lado, Francisco Sampaio entende que os enfermeiros poderão ter um papel crucial a desempenhar, quer junto da comunidade no pós-pandemia, através da identificação precoce de sintomas patológicos que careçam de intervenção ou de encaminhamento, quer no contexto da saúde escolar.
“Em Portugal, temos um problema muito grave de falta de literacia em saúde mental. É mais fácil ensinar uma criança do que ensinar um adulto. Portanto, os enfermeiros especialistas em saúde mental que atuam na saúde escolar têm um papel muito importante no sentido de aumentar a literacia em Saúde Mental para que essas crianças, quando forem adultas, consigam perceber quando algo não está bem, com elas ou com outra pessoa, e procurem ajuda, sem o estigma que ainda existe”.
Atualmente, além de investigador do CINTESIS e de Professor Adjunto na Escola Superior de Saúde Fernando Pessoa, Francisco Sampaio é também editor associado da Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, editor da BMC Nursing e presidente da Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica da Ordem dos Enfermeiros (2020-2023). Tem mais de 30 livros e capítulos de livros publicados, somando já vários prémios e artigos científicos em revistas nacionais e internacionais.
Ambição a 1 ano?
O principal objetivo será investir em candidaturas a financiamento competitivo para conseguirmos consolidar alguns dos nossos projetos, no âmbito do NursID, nomeadamente na área da Saúde Mental.
Ambição a 10 anos?
Tenho aprendido a não fazer muitos planos a longo prazo. As nossas ambições dependem muito do nosso contexto e das nossas circunstâncias, e essas variam muito ao longo do tempo. De forma genérica, gostaria de internacionalizar a minha investigação, no sentido de realizar mobilidades / intercâmbios e colaborar com equipas de outros países. Tenho colaborado muito com colegas de Espanha e do Brasil, mas gostaria de conseguir colaborar com outros países anglo-saxónicos. As minhas áreas de interesse continuam a ser os modelos de intervenção, as taxonomias e, mais recentemente, os cuidados personalizados ou individualizados, numa lógica de intervenção centrada no utente. Em Portugal, os cuidados ainda não muito padronizados e é dada pouca voz aos utentes, no sentido de escolherem, quando devidamente informados, o que é melhor para si. Na Saúde Mental, esta dificuldade em negociar com o utente sente-se ainda mais. Esta é uma área que gostaria de explorar mais no futuro. Acima de tudo gostaria que a minha investigação fosse útil para a melhoria da qualidade de vida das pessoas, porque só assim esta faz sentido.
Que vida para além da docência e da investigação?
Gosto muito de Desporto (tanto de praticar, como de assistir). Jogo ténis há vários anos. Sou federado, mas tenho pouco tempo para ir a torneios. Esta é a minha ocupação mais inviolável. Tenho treinos três vezes por semana e, a não ser que algo de extremamente importante se sobreponha, nunca falto. O desporto é muito importante para a minha saúde mental, é um bom escape para conseguir manter alguma estabilidade a esse nível. Também gosto muito de ouvir música, sobretudo mais antiga. A minha banda preferida são, provavelmente, os Pink Floyd. Gosto de ir a concertos e de ir ao cinema. Aguardo ansiosamente que a pandemia termine para que estas atividades culturais regressem em pleno.