“O idadismo, ou seja, a discriminação em função da idade, sempre existiu, mas a pandemia de COVID-19 veio acentuá-lo. Evidenciou-se a vulnerabilidade das pessoas idosas no que toca ao contágio pela COVID-19, independentemente das doenças crónicas, e generalizou-se a ideia de que todos os mais velhos estão isolados, tristes e ansiosos”. A convicção é de Lia Araújo, jovem investigadora integrada do CINTESIS, docente e gerontóloga, que se tem dedicado a estudar o bem-estar e a qualidade de vida das pessoas mais velhas.
Nasceu em 1986, numa aldeia de São Pedro do Sul, mas passou a infância e juventude na Murtosa. Fez licenciatura e mestrado em Gerontologia na Universidade de Aveiro, onde teve a oportunidade de começar a trabalhar com Oscar Ribeiro, líder do grupo AgeingC: Ageing Cluster. que integra.
“Sempre tive muita certeza de que era esta área que queria. O envelhecimento sempre me interessou e tinha consciência de que a sociedade ia precisar cada vez mais de pessoas especializadas”, sustenta.
Fez voluntariado com idosos em São Tomé e Príncipe no primeiro ano da Faculdade. “Há um antes e um após esta experiência. Foi algo que me marcou muito. Nunca tinha tido contacto com a pobreza extrema. Chorei muito”, recorda. Esteve também ligada ao associativismo, tendo sido presidente da Associação de Estudantes da Escola Superior de Saúde da Universidade de Saúde e estado na formação da Associação Nacional de Gerontólogos (ANG).
Começou a dar aulas na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu há 13 anos, altura em que integrou a equipa de investigação liderada por Constança Paúl, no ICBAS (UNIFAI), que entretanto transita para o CINTESIS. “Adoro aquilo que faço. Este misto de investigação e docência é um casamento perfeito. Tenho a certeza de que sou melhor docente pela investigação que faço, mas que também sou melhor investigadora pela docência”, diz.
Realizou o Doutoramento em Ciências Biomédicas no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, em 2015, no âmbito do projeto PT100 – Centenários, que incluiu 241 idosos centenários. De cerca de 1500 centenários em 2011, Portugal terá passado para mais de 4000 em 2015. Aguarda-se o resultado dos Censos para se conhecer o número mais atual.
“O PT100 foi uma experiência marcante até porque estive em todas as fases do projeto, do primeiro dia ao último. Tive formação na Alemanha para entrevistar centenários e fiz muitas entrevistas. Foi uma oportunidade maravilhosa. Eram pessoas com muitas histórias para partilhar. Algumas estavam fragilizadas, eu tinha de fazer muitas pausas. Entrevistei pessoas com insuficiência cardíaca, com insuficiência respiratória, pessoas que tinham perdido a visão, que já não ouviam… Nunca tinha lidado com tantos défices, mas também conheci pessoas muito autónomas”, recorda.
Dos muitos estudos que tem feito ficam algumas ideias centrais. Desde logo, “a única coisa que os centenários têm em comum é mesmo a idade. Há muita heterogeneidade e muita variabilidade. Depois, destaca “a importância dos recursos pessoais e da forma como se encara a vida. Nos portugueses, o sentido da vida está muito relacionado com a família e com a religião/espiritualidade. As pessoas que querem continuar a viver são aquelas que estão mais satisfeitas com a sua vida e não tanto os que estão em melhores condições em termos de saúde”. Estas são, de resto, conclusões de um estudo de que é primeira autora, no Frontiers in Psychology, com o título “To Live or Die: What to Wish at 100 Years and Older”.
O projeto QASP – Quality of life and Ageing in Spain, Sweden and Portugal, em que também esteve envolvida, mostrou algo semelhante: “A saúde mental e as relações sociais são duas componentes de extrema importância na qualidade de vida das pessoas mais velhas. Ainda há muita ênfase na saúde física, mas a verdade é que, quando se mete tudo no mesmo saco, a saúde mental é muito importante. É preciso apostar mais nesta área”, refere. Os principais resultados deste projeto foram apresentados no passado dia 1 de outubro, Dia Internacional da Pessoa Idosa, num evento realizado no CINTESIS/Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.
Atualmente, Lia Araújo é professora adjunta na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu. Além disso, está a fazer um segundo doutoramento em Ciências da Educação e do Comportamento, orientado por Liliana Sousa, também investigadora do CINTESIS e professora na Universidade de Aveiro. O seu objetivo é perceber as potencialidades da ferramenta photovoice, tendo desenvolvido o projeto “Eyes on the Pandemic: photovoice reports from the front-line gerontological professionals”, que contou com uma bolsa do CINTESIS. O próximo passo será utilizar o photovoice em idosos e em alunos do ensino superior. Tem vários artigos publicados nas suas principais áreas de investigação e foi recentemente convidada a integrar o Editorial Board da Frontiers in Psychology.
Ambição a 1 ano?
Quero muito voltar aos congressos presenciais, sobretudo internacionais. Nunca consegui ir estudar para fora do país, que era um desejo meu. Tentei colmatar isso com uma participação em cursos breves e congressos em vários países da Europa e Estados Unidos. Isso faz muito sentido para a produção científica e para realizar parcerias com outras equipas.
Quero dar continuidade aos projetos que tenho, mas queria muito um novo PT100, juntamente com a equipa do CINTESIS.
Ambição a 10 anos?
Os últimos 10 anos foram muito ricos, cumpri muitos objetivos de vida. Dois deles foram marcantes: um foi o doutoramento e outro foi ser mãe. Se os próximos 10 anos me derem tanto quanto os últimos 10 anos me deram, serei muito feliz.
Também quero muito manter-me no CINTESIS, com as pessoas com quem tenho vindo a trabalhar. É esta equipa que faz com que eu trabalhe com prazer. O CINTESIS valoriza os investigadores e fomenta o espírito de pertença. Isso é fundamental!
Que vida para além da investigação e da docência?
Se há coisa que aprendi com os centenários é que a família é extremamente importante para dar sentido às coisas que fazemos. Poder partilhar aquilo que sou e aquilo que aprendo com a minha família é uma forma de dar sentido a essas conquistas. Sou muito cuidadora, sou muito dedicada aos mais novos e aos mais velhos da família. Gosto de fazer coisas com eles, como cozinhar e passear.
O mar é muito importante para mim. Todas as semanas cumprimento o mar. É impossível começar uma semana sem ter visto o mar.