“A maioria dos doentes em fim de vida prefere ter os últimos cuidados e morrer em casa, junto da família, com maior autonomia e maior dignidade. A maioria dos familiares dos doentes também o prefere.”
A conclusão é de um estudo desenvolvido por Sara Pinto, investigadora do CINTESIS e docente da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), recentemente publicado no Journal of Pain and Symtom Magagement.
“Este é o primeiro estudo a agregar, sintetizar e analisar o que se sabe, a nível mundial, sobre as preferências dos doentes e seus familiares acerca dos locais de cuidados no fim de vida e o local de morte”, explica a autora.
O trabalho inclui dados de 309 estudos publicados nos últimos 50 anos (1974-2021), em 307 países e nos cinco continentes, referentes a mais de 100 mil doentes, adultos e crianças, com várias doenças, oncológicas e não oncológicas, e a mais de 30 mil familiares cuidadores.
Embora a maioria dos doentes prefira morrer em casa, esta investigação mostra que também “há doentes que preferem o hospital ou um serviço de cuidados paliativos, especialmente quando os cuidados domiciliários são difíceis, como por exemplo, perante sintomas de difícil controlo ou a sobrecarga do cuidador”.
“As preferências das pessoas são influenciadas por vários fatores, como a doença, razões pessoais (por exemplo, experiências prévias e atitude face à doença e à morte) e o ambiente que as rodeia (como conhecimento e experiências prévias dos serviços de saúde). Ainda não sabemos se as pessoas alteram as suas preferências à medida que a sua saúde se agrava, mas é possível que tal aconteça”, afirma Sara Pinto.
Quanto à concordância entre o local preferido para morrer e o local onde os doentes efetivamente morrem, os estudos indicam que “os doentes não oncológicos têm menos probabilidades de verem as suas preferências satisfeitas, assim como as pessoas de estatutos sociais mais baixos”.
Para Sara Pinto, “é importante reconhecer o domicílio/casa como um local preferencial de cuidados em fim de vida e de morte, tanto para doentes como para os seus familiares”.
Nesse sentido, “é fundamental que se desenvolvam e implementem estratégias promotoras do cuidado em casa. Os doentes e familiares enfrentam diversas dificuldades, como dificuldades de acesso a medicamentos essenciais, falta de equipamentos e apoio em momentos críticos, para além da sobrecarga dos cuidadores”.
A investigadora do CINTESIS/ESEP defende a necessidade de implementar “procedimentos sistemáticos de registo dos locais preferenciais e do local efetivo”. Esses registos devem ser atualizados regularmente, tendo em conta que “as preferências podem mudar”.
“A monitorização destes registos é essencial. Assegurar e cumprir as preferências deveria constituir um indicador de qualidade dos cuidados e, portanto, um item de registo obrigatório”, sublinha.
Para além disso, “a preparação e treino dos familiares cuidadores deve ser alvo de investimento e acompanhamento contínuos, pois a sobrecarga é um problema importante e, em algumas circunstâncias, poderá condicionar o respeito pela preferência de ser cuidado e morrer em casa”.
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto EOLinPLACE – Choice of where we die: a classification reform to discern diversity in individual end of life pathways, financiado pelo Conselho Europeu de Investigação e liderado pela Universidade de Coimbra, sob coordenação da investigadora Bárbara Gomes. O objetivo é criar uma classificação internacional para registar os locais de cuidados e de morte, preferidos e reais, de pessoas com doenças avançadas.