Investigadores do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde dizem que é urgente melhorar as intervenções direcionadas a pessoas com “Síndrome de Noé”, mais conhecidas como “acumuladoras de animais”.
O alerta é feito na sequência de uma revisão de estudos a nível internacional, publicada no Journal of Mental Health pela equipa liderada por Oscar Ribeiro, do CINTESIS/Universidade de Aveiro.
“A acumulação de animais está a aumentar em todo o mundo. Os profissionais querem apoiar as pessoas que têm este problema, mas enfrentam várias dificuldades, devido, sobretudo, à falta de informação sobre estratégias de intervenção eficazes”, apontam os autores.
De acordo com o estudo, as intervenções têm estado demasiadamente direcionadas para dar resposta a situações de emergência, em que a degradação está já em níveis de negligência extremos. Não é por acaso que estas situações são descobertas maioritariamente após queixas por mau cheiro, barulho ou perigo para a saúde pública.
Outros dos problemas identificados são a “falta de coordenação entre os vários organismos intervenientes” e a existência de objetivos prioritários conflituantes, nomeadamente entre associações de animais, veterinários, serviços sociais e de saúde, autarquias e até tribunais.
Além disso, o estudo aponta para a “falta de formação e de treino dos profissionais que lidam com esta população” e para escassez de reconhecimento da componente de saúde mental deste problema.
Sem uma abordagem concertada e a longo prazo, a taxa de recidiva está, atualmente, perto dos 100%. Ou seja, praticamente todos os acumuladores são ou virão a ser reincidentes. Esta é uma realidade que frustra os profissionais e a própria comunidade, em última análise, como sublinha Sara Guerra, investigadora do CINTESIS e primeira autora deste estudo.
Quem são os acumuladores?
Segundo os investigadores, os acumuladores de animais são pessoas que vivem, muitas vezes, em situação de precariedade. São sobretudo mulheres, mais velhas, frequentemente em condições de vulnerabilidade e isolamento, que tendem a acumular apenas uma espécie de animal (por exemplo, só gatos ou só cães).
“Estas pessoas tendem a negligenciar-se a si e aos animais, que podem passar fome, adoecer e até morrer sem os devidos cuidados. Estão frequentemente desligadas da família e têm conflitos com vizinhos”, indicam.
O comportamento de acumulação é reconhecido como uma perturbação mental, constando do Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais da Associação Americana de Psiquiatria (DSM-5, APA). A acumulação de animais será “uma manifestação especial desta condição clínica, que se caracteriza pela necessidade de conservar os animais e pela dificuldade de abdicar dos mesmos”. A maioria dos indivíduos que acumula animais também acumula objetos inanimados.
Para a equipa do CINTESIS, é preciso, desde logo, “colocar os acumuladores de animais, enquanto pessoas com um problema de saúde mental, no centro da intervenção, não circunscrevendo o foco da atenção nos animais acumulados”.
Os especialistas deixam uma série de recomendações, tais como o desenvolvimento de planos de intervenção multidisciplinares, com liderança e coordenação bem definidas, a formação de profissionais e da comunidade, através, por exemplo, de campanhas de sensibilização, e ainda a criação de “gestores de caso”.
Esta investigação terá agora continuidade. “Pretendemos, numa próxima fase, auscultar entidades e profissionais para perceber que estratégias e intervenções são usadas atualmente, com o objetivo de proceder a uma sistematização nacional e, posteriormente, à criação de diretrizes de intervenção gerais”, concluem.