André Rosa Biscaia é investigador integrado do grupo PrimeCare – Investigação em Cuidados de Saúde Primários, da LT1 – Linha Temática Medicina Preventiva e Desafios Societais, do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.
Nasceu em Lisboa, em 1965, e viveu quase toda a vida na capital, com exceção de um ano em Paris, onde o pai, engenheiro de profissão, fez um estágio no metropolitano. Em pequeno, passava meses de férias na Figueira da Foz, de onde o pai era natural (a mãe provém do Norte do país).
Quis ser engenheiro, mas acabou por fazer Medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, em 1990. Terminou o internato de Clínica Geral em 1996 e foi o primeiro médico da sua família “mais próxima”. É também doutorado em Saúde Internacional (especialidade Políticas de Saúde e Desenvolvimento) pelo Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa (2010).
“Como muitos filhos, pensei que ia ser engenheiro, como o meu pai. Aos 15 anos fiz um teste vocacional e Engenharia nem sequer apareceu, mas sim Arquitetura e Medicina. Foi aí que escolhi Medicina. Não é uma história muito romântica [risos]. Não gostei muito do curso, era muito hospitalar, mas, depois, durante o internato, descobri a Medicina Geral e Familiar (na altura chamava-se Clínica Geral) e percebi que queria ser médico de família”, conta.
Hoje, define-se essencialmente como “um médico de família com um interesse especial na formação e investigação em serviços de saúde”. Exerce atividade como clínico na Unidade de Saúde Familiar Marginal, em Cascais. Está desde 2007 na USF, mas a sua ligação ao Centro de Saúde de Cascais remonta a 1998.
Faz investigação desde a Faculdade, integrando atualmente o CINTESIS. As suas áreas de interesse, nesta área, incluem a satisfação no trabalho, a contratualização e avaliação de serviços, a organização macro e micro dos sistemas de saúde, o planeamento dos recursos humanos, a validação de instrumentos de medida e a violência sobre os profissionais de saúde. Admite que a investigação ainda não está tão enraizada nos profissionais dos Cuidados de Saúde Primários como nos hospitais, mas sublinha que nunca houve tantos doutorados em Medicina Geral e Familiar como agora.
“Quando comecei a minha atividade, não havia nenhum. É fundamental que haja também esta investigação feita no terreno onde os Cuidados de Saúde Primários são exercidos, em condições e com pessoas da vida real”, diz.
Orgulha-se de estar ligado, desde sempre, a movimentos associativos, primeiro estudantis (costuma dizer que a sua primeira reunião geral de alunos – RGA – foi na 4ª classe, em 1974), depois profissionais e cívicos, nomeadamente associações profissionais e científicas, sindicatos (como a FNAM), ordens profissionais (Ordem dos Médicos) e organizações não governamentais (ONG). Em dezembro de 2021, foi eleito presidente da USF- AN (Associação Nacional de Unidades de Saúde Familiar). Esta associação realizou recentemente um estudo sobre o impacto da pandemia nas USF, que auscultou os profissionais do terreno e apresentou soluções que estão já em prática, nomeadamente os automatismos da parte burocrática dos cuidados.
“Nunca se falou tanto dos Cuidados de Saúde Primários e nós contribuímos para isso, muito em particular na resposta à COVID-19. O grande problema é que toda a atividade dos CSP tem agora estado quase toda virada para a pandemia e, muitas vezes, com atividades inúteis, como ter médicos nos centros de vacinação e muita burocracia associada. O meu trabalho é mais bem investido a ver doentes”, acredita.
A formação é outra “área vital” da sua vida profissional, quer na pré-graduação, quer no Internato Complementar de Medicina Geral e Familiar e de outras especialidades médicas, quer na pós-graduação, como professor convidado, em várias instituições de Ensino Superior, mantendo-se como docente na Faculdade de Medicina de Lisboa.
No passado, entre outras atividades, exerceu funções de assessoria ao Conselho Diretivo da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo (ARSLVT). Além de artigos científicos, publicou 15 livros ou capítulos de livros, tendo estudado e escrito essencialmente sobre as reformas no sistema de saúde, em particular nos Cuidados de Saúde Primários, e integrado um relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS). Recebeu mais de uma dezena de prémios, com destaque para o Grande Prémio Fundação AstraZeneca 2005 com o trabalho “Cuidados de Saúde Primários em Portugal – Reformar para Novos Sucessos”.
Atualmente também coordena o Plano de Ação para a Prevenção da Violência no Setor da Saúde, no âmbito da Direção-Geral da Saúde (PAPVSS). O objetivo é promover ambientes organizacionais mais seguros, com base numa cultura de não violência no setor.
É casado e tem um filho com 23 anos.
Ambição a 1 ano?
Em termos de investigação, temos conseguido provar que é fácil, relativamente rápido e muito útil implementar sistemas de auscultação dos profissionais no terreno, tal como a USF-AN fez com a abordagem do impacto da pandemia nos Cuidados de Saúde Primários. Queremos implementar este tipo de auscultação noutras áreas, com a criação de instrumentos de medida, como questionários.
Ambição a 10 anos?
É esse papel que vou tentar ter: criar estes mecanismos para a auscultar os profissionais de saúde e alargá-los a toda a população. Isso vai fazer a diferença. O envolvimento da população tem também um papel de responsabilização pelas opções e pela forma como os cuidados são prestados. A experiência das autarquias com os orçamentos participativos é muito interessante. Temos de trazer isto para a saúde. Para mim, a investigação tem de ter uma utilidade prática.
Que vida para além da investigação?
Tenho muitas atividades e muitos outros interesses. Gosto muito de fotografia. Durante o curso de Medicina, parei um ano para fazer um curso de fotografia e uma exposição. Foi algo de que sempre gostei.
Gosto muito de ler e de escrever, o que pratico todos os dias. Há um livro, que estou a ler agora, que sintetiza muito do que gosto: “Lisboa Clichê” de Daniel Blaufuks, com fotografias a preto e branco e textos, curtos e intensos, sobre a vida e sítios que conheci na minha adolescência.
Em família, gosto muito de antecipar, ver e discutir séries e filmes com a minha mulher e com o meu filho.