“A gestante de substituição deve ser a única pessoa autorizada a tomar decisões relativamente a um possível aborto, assim como deve poder mudar de opinião e não renunciar à criança. A convicção é de Miguel Ricou”, investigador do CINTESIS. O artigo “Surrogacy: challenges and ambiguities” (Gestação de Substituição: desafios e ambiguidades) foi publicado no jornal “The New Bioethics”, numa altura em que se discutem as alterações ao diploma que legalizou a gestação de substituição, popularmente conhecida como “barriga de aluguer”. A Lei n.º 25/2016, de 22 de agosto, terá de ser alterada na sequência da declaração da inconstitucionalidade de algumas das suas normas.
Uma das alterações impostas pelo Tribunal Constitucional em 2018 vai precisamente no sentido de permitir que a gestante de substituição possa revogar o seu consentimento até depois do nascimento da criança, em vez do atualmente previsto, que é até ao início da procriação medicamente assistida. Na proposta apresentada pelo Bloco de Esquerda e enviada para a Comissão de Saúde, essa revogação pode acontecer até ao momento do registo.
Neste artigo, Miguel Ricou concorda que “nenhuma mulher deve ser obrigada a continuar com uma gravidez ou a terminá-la” e que o casal beneficiário “não pode ter o poder de a obrigar a manter a gravidez ou de a forçar a fazer um aborto”. Além disso, o também docente da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) entende que existe uma “primazia da autonomia da gestante de substituição”, o que, na prática, significa que ela pode decidir qual a informação que quer receber e partilhar sobre a sua gravidez”.
Será esse o caso, por exemplo, quando, havendo uma elevada probabilidade de o bebé sofrer de uma doença incurável ou de uma malformação, o casal beneficiário quiser terminar a gravidez, mas a gestante de substituição não aceitar.
Para diminuir o risco de divergências, o investigador do grupo ManEthics, do CINTESIS, propõe a criação de uma equipa multidisciplinar, onde terá que estar presente um psicólogo, que trabalhe simultaneamente com a gestante de substituição e com o casal beneficiário. “O acompanhamento psicológico deve ter um importante papel, ajudando os envolvidos a tomarem decisões. Este processo deve contribuir para evitar que o processo siga em frente se existir a convicção que poderão surgir problemas no futuro”, defende o responsável.
O investigador e psicólogo concorda também com a hipótese de “veto parental” por parte do profissional de saúde que está a seguir o processo. Conforme se lê no estudo agora publicado, “se o médico acreditar, fundamentadamente, que o casal não é capaz de providenciar um ambiente seguro à futura criança, deve ter o direito legal de reter o acesso do casal à gestação de substituição. Daí a importância da equipa multidisciplinar”.
De acordo com a proposta que será discutida na Comissão de Saúde, a gestante de substituição deverá ter direito a acompanhamento psicológico antes e após o parto, bem como a sua família, nos casos em que esta exista.
Em aberto fica a questão do alargamento da gestação de substituição altruísta às pessoas solteiras e a casais do mesmo sexo. De acordo com a revisão da literatura feita neste estudo, os resultados para todos os envolvidos, nomeadamente no que diz respeito à criança e à gestante de substituição, são tão positivos nestes casos como com o casais heterossexuais, não existindo motivos para que os casais do mesmo sexo sejam “discriminados” no acesso à gestação de substituição.
O estudo, assinado também por Ana Rita Igreja, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, focou-se ainda noutras questões controversas como a gratuitidade. A lei datada de 2016 indica que a gestação de substituição é possível apenas em casos de impossibilidade absoluta ou definitiva de gravidez ou em situações clínicas que o justifiquem, através do recurso a gâmetas de pelo menos um dos beneficiários, sendo que a gestante não pode ser dadora de ovócito utilizado no procedimento em que é participante.