A controvérsia está instalada a nível internacional. Com a crescente quantidade de dados disponibilizados diariamente, será que os ensaios clínicos são mesmo a única ou melhor forma de obter conclusões robustas sobre a eficácia e segurança dos procedimentos clínicos, como o diagnóstico e tratamento de uma série de doenças, ou, pelo contrário, será que poderão ser substituídos por métodos novos, que garantem uma maior abrangência com menor custo?
Cientistas de dados de renome têm publicado métodos inovadores capazes de extrair dos dados de saúde, armazenados em bases de dados administrativas, registos clínicos e outros sistemas eletrónicos, informação sobre as intervenções na área da saúde, dizendo que os ensaios clínicos já não são necessários e que as associações estatísticas podem dizer-nos o que funciona. Contudo, esta não é a opinião dos investigadores tradicionais. Quem terá razão?
Pedro Pereira Rodrigues, investigador principal da linha temática de Ciência de Dados de Saúde do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Unidade da Universidade do Porto, analisa, num artigo publicado no prestigiado International Journal of Data Science and Analytics, os prós e contras da utilização de Data Science e da Big Data na área da saúde. São três as controvérsias, alinhadas por três perguntas: que dados podemos reutilizar, como os devemos analisar e em quem confiamos para o fazer?
“Talvez o argumento mais convincente para reutilizar dados de saúde na investigação é que isso permite analisar um conjunto muito vasto de dados, com um tempo de seguimento bastante longo e com custos muito mais baixos do que os de um ensaio clínico randomizado”, refere o investigador.
A ciência de dados pode ser mais abrangente e mais barata, mas poderá substituir os métodos convencionais? Poderá a análise de grandes bases de dados constituir uma alternativa à investigação convencional, realizada sobretudo pela indústria farmacêutica?
Embora haja situações em que a ciência de dados não pode substituir os ensaios clínicos (por exemplo, quando é preciso testar um novo medicamento versus o tratamento standard), Pedro Pereira Rodrigues diz que, em alguns casos, os resultados das análises de dados de saúde eletrónicos podem mesmo superar os resultados dos ensaios, na medida em que incluem “doentes do mundo real”, designadamente doentes complexos, com várias patologias e polimedicados e, potencialmente, sem vieses do tipo comercial.
Além disso, estas análises poderão dar resposta a questões importantes a que não é possível responder de outra forma, como, por exemplo, qual o efeito da exposição a baixas doses de radiação no risco a longo prazo de desenvolver cancro.
A terceira controvérsia relaciona-se com a proteção dos dados, tendo em conta os receios de “brechas na privacidade” e de “quebra da confiança”, sobretudo com as novas diretivas europeias, que são muito mais restritivas. O investigador vê o outro lado da moeda, referindo situações em que é difícil ou impossível obter o consentimento informado, como em doentes mentais graves, inconscientes ou que já faleceram, e o potencial viés que uma seleção voluntária de acesso a dados trará para a investigação, afirmando ainda que “a não partilha dos dados de saúde irá conduzir necessariamente a piores processos de decisão e a piores resultados de saúde”.
De acordo com o responsável, a solução passa por mecanismos de regulação que atestem a confiança de todos os participantes. “Os cientistas de dados devem criar ferramentas para ajudar os indivíduos a proteger a sua privacidade, empoderá-los para terem controlo sobre o que acontece aos seus dados pessoais e, ao mesmo tempo, maximizar os seus benefícios para a sociedade”, recomenda.
O artigo “Three controversies in health data science” foi realizado em colaboração com Prof. Niels Peek, da Universidade de Manchester, Reino Unido, e apresenta ainda os resultados de uma discussão entre pares na primeira Conferência Europeia de Ciência de Dados, realizada no Luxemburgo, em novembro de 2016.