Carlos Martins, 48 anos de idade, é investigador principal do mais recente grupo de investigação – Health for All, do CINTESIS, cujo objetivo é promover e fomentar a investigação ao nível da Medicina Geral e Familiar e dos Cuidados de Saúde Primários em Portugal.

Nasceu na Alemanha, filho de emigrantes portugueses. Viveu em Kaiserslautem, até aos 10 anos de idade. Em criança, quis ser médico, inspirado no seu médico pediatra, mas também quis ser jogador de futebol, por influência de Sócrates, jogador da seleção brasileira e médico. “Era um dos meus modelos”, confessa.

A partir do 7º ano, viveu no do Porto, onde fez os seus estudos. Em 1996, licenciou-se em Medicina no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS) e fez especialidade em Medicina Geral e Familiar no Centro de Saúde do Carvalhido em 2002. Atraiu-o o facto de ser uma especialidade “generalista” e de lidar com o ciclo vital completo, desde os bebés aos mais idosos.

Por convite, foi trabalhar para o Centro de Saúde de São João, que pertencia à Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), já então com o objetivo de fazer investigação, por “gosto e vocação”. Aí integrou o corpo docente e ingressou no Programa Doutoral em Investigação Clínica e Serviços de Saúde (PDICSS).

É, há vários anos, investigador integrado do CINTESIS. Desde 2018, coordena o mais recente grupo de investigação desta Unidade, designado Health for All. O nome vem do lema da Conferência Internacional de Cuidados de Saúde Primários que se realizou em 1978, no Cazaquistão, sob a égide da Organização Mundial de Saúde (OMS). O evento foi um marco histórico, com impacto nos sistemas de saúde de todo o mundo, incluindo no Serviço Nacional de Saúde português.

Neste momento, o Health for All integra especialistas em Medicina Geral e Familiar, mas o objetivo é alargar a outros profissionais. As áreas de estudo são todas as abrangidas pelos Cuidados de Saúde Primários, desde o exercício clínico à organização, passando pela relação médico-doente, a Enfermagem, o apoio psicológico, entre outras”, explica o responsável.

Para Carlos Martins, o novo grupo pode alavancar, de forma significativa, a investigação feita nesta área. “Em Medicina Geral e Familiar, ainda é difícil desenvolver investigação com qualidade e robustez suficiente para ser publicada a nível internacional. Temos um grande número de clínicos a trabalhar no terreno e que têm boas ideias de investigação, mas frequentemente com problemas de dimensão ou metodológicos que podem ser fatores impeditivos da publicação em revistas indexadas”, lamenta.

Além disso, “não há uma grande tradição na investigação feita nos CSP. Os grandes projetos de investigação realizados com o apoio da indústria farmacêutica são alocados sobretudo aos hospitais e a outras especialidades. O nosso objetivo, através do Health for All, com o networking que o CINTESIS permite, é ultrapassar estes obstáculos e ajudar os colegas a desenvolver, desde o início, as melhores metodologias de investigação, que permitam obter conclusões relevantes e publicáveis”.

Outro objetivo do Health for All é “criar pontes com players da área da saúde e com potenciais financiadores. Não é fácil obter financiamento e convencermos os parceiros de que é possível fazermos ensaios clínicos nos CSP, mas é possível e já começa a haver interesse da indústria farmacêutica em desenvolver estudos com base em dados do mundo real. Ora, o mundo real está nos CSP. Acreditamos que temos todas as condições para avançar”.

A par da sua atividade de investigação no CINTESIS, Carlos Martins é Professor Auxiliar no Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde (MEDCIDS) da FMUP e responsável por diversos Cursos de Formação Contínua (Medicina Preventiva Baseada na Evidência, Revisão Sistemática e Meta-análise em Medicina Geral e Familiar e Informar Ciência & Saúde). É médico de família e coordenador da MGF do CUF Porto Instituto. Dedica-se ainda à promoção da saúde e prevenção da doença online, sendo Webmaster das plataformas MGFamiliar e Dr. Share. É atualmente presidente da European Network on Prevention and Health Promotion (EUROPREV), da World Organization of Family Doctors (WONCA Europe). Neste âmbito, tem sido um dos defensores da Prevenção Quaternária, uma das suas principais linhas de investigação.

“Quando falarmos em prevenção, sobretudo na área dos rastreios, referimo-nos a intervenções médicas junto de pessoas que estão bem e em que é fácil provocar dano ao doente. O rastreio intensivo está a levar a um sobrediagnóstico. Cada vez nos preocupamos mais em avaliar os benefícios e os malefícios, sendo que, muitas vezes, não existe uma decisão única. Aqui entramos na área da decisão partilhada”, afirma.

Se os clínicos estão cada vez mais despertos para esta necessidade, o que se passará com os doentes? “Neste momento, o Health for All tem um projeto de investigação em curso que vai avaliar se a população portuguesa quer ser envolvida no processo de decisão médica. Possivelmente, isto será variável. Algumas pessoas poderão preferir ser envolvidas, outras poderão preferir um modelo paternalista. Isso é algo que temos de averiguar”, conclui.

Ambição a 1 ano?

Falemos antes de sonhos. Temos, no nosso grupo de investigação, vários estudantes de doutoramento. Coordená-los tem sido muito gratificante. Vê-los a concluir os seus projetos de doutoramento seria uma realização.

Ambição a 10 anos?

A 10 anos, o sonho passa por ver concretizados os objetivos propostos pelo nosso grupo de investigação: ver a investigação em Medicina Geral e Familiar e nos cuidados de saúde primários mais robusta, com mais qualidade e quantidade, e com impacto no dia a dia. Também gostaria de contribuir para uma maior robustez da especialidade dentro Academia nacional.

Vida para lá da investigação e da docência? ´

Eu estou sempre a trabalhar, mas faço-o por gosto. Passo bastante tempo com a família. Tenho dois filhos, a Maria, com 20 anos, e o Pedro, com 17 anos. Gosto muito de desporto. É algo que não faço tanto como gostaria, mas, sempre que posso, jogo futebol com os amigos e a família. Gosto de fazer uns quilómetros de bicicleta; é algo que me sabe bem e que me consola. Gosto muito de tirar fotografias. Viajo duas a três vezes por ano e tiro muitas fotografias, que vou partilhando nas redes sociais. Mas não viajo tanto como parece. Por isso, até já criei a hashtag #eunaoestouondeofacebookdizqueestou [risos].