Mais de duas centenas de pessoas participaram no encontro “Ciência, Saúde e Comunicação”, organizado pelo CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, em parceria com a Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica.
Realizada no passado dia 24 de novembro, na cidade do Porto, a iniciativa serviu para aproximar cientistas e comunicadores, incluindo jornalistas e assessores de comunicação, contribuindo para estreitar relações entre quem faz investigação e quem a comunica.
“Este encontro pretende juntar investigadores, cientistas, jornalistas num exercício de cidadania, procurando um maior entrosamento entre estes atores na área da comunicação de ciência e de saúde”, explicou Altamiro da Costa Pereira, coordenador do CINTESIS, na sessão de abertura.
Para Rosalia Vargas, responsável pela Ciência Viva, este encontro foi também “uma festa” para celebrar o Dia Nacional da Cultural Científica e Tecnológica”, instituído por Mariano Gago na data em que se assinala o nascimento de Rómulo de Carvalho.
Maria de Fátima Marinho, vice-reitora da Universidade do Porto, sublinhou que “um encontro deste género é do maior interesse para a Universidade. Temos aqui várias ciências juntas, uma multidisciplinaridade e interdisciplinares que são hoje fundamentais. Esta ligação entre as ciências da comunicação, as tecnologias da informação e as ciências da saúde é muito importante para a constituição de uma universidade dos dias de hoje”.
Também Mónica Guerreiro, diretora municipal da Cultura e Ciência da Câmara Municipal do Porto, em representação de Rui Moreira, considerou este encontro “particularmente pertinente e acutilante, de modo a fomentar e aprofundar as pontes entre investigação científica e comunidade em geral”.
Na primeira fila estavam personalidades como a diretora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, Maria Amélia Ferreira, o diretor da Faculdade de Ciências da mesma Universidade, António Fernando Silva, o pró-reitor da Universidade do Porto Carlos Brito e representantes de várias faculdades e instituições de ensino e de investigação a nível nacional.
Jornalista e cientista: uma relação séria, mas aberta
E foi com o Auditório da Biblioteca Almeida Garrett completamente cheio que decorreu o primeiro painel, moderado por José Vítor Malheiros, que teve vários pontos altos, a começar pelo anúncio de Vera Novais – “Jornalista procura cientista para relação séria”, no qual coube a Elsa Costa e Silva, da Universidade do Minho, e a José Azevedo, da Faculdade de Letras da Universidade do Porto/responsável pelo SCOL: Science Communication Open Lab, traçar o panorama da comunicação de ciência em Portugal.
“Procuro uma relação de cooperação, séria e descomplicada, mas aberta, poligâmica até, que me fale de ciência com paixão, mas com palavras simples, que entenda as minhas dúvidas e as esclareça”, disse Vera Novais. A jornalista do Observador aproveitou para deixar um apelo: “Há momentos em que vou ligar aos cientistas, mas por favor não me digam para falarmos na próxima semana”. Aos gabinetes de comunicação, pediu para serem a mãe que convida o namorado para ir jantar lá a casa e não a que esconde o telemóvel da filha, isto é, que façam de ponte e que não sejam uma porta blindada”. Quanto aos que querem vender algo, avisou. “não sou publicitária. Os jornais agradecem publicidade paga, se quiserem fazer”.
Outro dos pontos altos foi protagonizado por Joana Lobo Antunes, do ITQB-NOVA/SciCom, que sublinhou a importância de comunicar ciência não só entre os pares, mas com o público, o que implica um esforço continuado para “penetrar” na concorrida agenda mediática. “O cientista é melhor cientista se for bom a fazer comunicação de ciência. Temos de ajudar os investigadores a serem melhores comunicadores. Os investigadores e as instituições precisam de literacia comunicacional porque é a única maneira de dialogar com a sociedade e com os stakeholders”, assegurou.
Ana Peixoto, da TVI, foi uma das intervenientes em destaque no painel II, moderado por Vasco Ribeiro. A jornalista confessou que prefere confiar num assessor de uma instituição pública porque, à partida, sabe que não há interesse comercial por trás, evitando pessoas ou empresas que estão a tentar vender algo. “O nosso intermediário tem de ser absolutamente fiável para que possamos fazer um bom trabalho”, frisou, embora saiba que, às vezes, também pode ser “usada” para fazer “pressão política”, por exemplo, quando se pretende que um determinado medicamento seja comparticipado.
Responsável pela comunicação do CINTESIS e assessora de imprensa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto durante cerca de uma década, Olga Estrela Magalhães apresentou alguns dados preliminares precisamente sobre a cobertura mediática da investigação de saúde, que continua a ser “relativamente baixa” – uma notícia por jornal a cada três dias” -, mas “consolidada”, tendo conquistado “um terreno próprio dentro dos jornais portugueses”.
A doutoranda na Universidade do Minho constatou também que os média privilegiam os investigadores e os artigos científicos como fontes, mas que as citações dependem muito de agências de notícia e de press releases, tendo chamado a atenção para a omissão no que respeita ao tipo de investigação e de evidência. Outro dado novo tem a ver com a o “afunilamento dos temas de investigação em saúde” nos média, que têm “deixado cair” áreas de grande importância para a sociedade.
O painel contou ainda com as apresentações de Rita Araújo, da Universidade do Minho, e de Helena Lima, da Universidade do Porto, com a primeira a mostrar dados da sua investigação sobre a mediatização da saúde na imprensa portuguesa e a segunda a focar-se no trabalho do “LACLIS, um Laboratório Colaborativo criado com o objetivo de promover a comunicação e literacia em Saúde”, com destaque para o videojogo HOPE, que se destina a ajudar crianças internadas com cancro a melhor combater a doença.
Ciência ou Pseudociência: eis a questão
Um dos momentos mais aguardados do programa era o debate público sobre “Ciência e Pseudociência na Comunicação em Saúde”, que decorreu na Galeria da Biodiversidade – CCV/Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto.
Perante o ministro da Ciência e Tecnologia, Manuel Heitor, coordenador do CINTESIS começou, em tom de provocação, questionando se a ciência não estará a tornar-se numa nova religião. Uma metáfora, como explicou, na qual os cientistas seriam os profetas e o público integraria os crentes. Para Altamiro da Costa Pereira, é preciso que os crentes se tornem mais ativos, num constante diálogo com uma ciência que está em permanente mutação.
“A ciência não deve ser jamais uma religião, embora possa haver essa tentação. A ciência é um processo coletivo em que a verdade é suada, arrancada com muito esforço e colocada sistematicamente em causa”, afirmou.
Felisbela Lopes, investigadora da Universidade do Minho e ex-jornalista, confessou que não tem uma perspetiva muito otimista em relação à comunicação de ciência em Portugal e convidou cientistas e jornalistas a fazerem “mea culpa” por termos uma sociedade que não coloca a ciência no topo das prioridades.
“A ciência de referência que se faz em Portugal não está no espaço mediático. Muitos cientistas acham que comunicar não é importante, embora recebam dinheiros públicos e devam prestar contas, e ainda temos muitos órgãos de comunicação social que não se interessam pela ciência”, afirmou.
A jornalista da RTP Paula Rebelo confirmou que, na televisão, “a ciência é servida quase como uma sobremesa” e que o jornalismo científico e de saúde é visto como “uma atividade que trata temas exóticos e áridos”, corroborando a ideia de que ainda são poucos os cientistas que estão “despertos” para a necessidade de estabelecerem “parcerias com os jornalistas”. Assim, é preciso “capacitar os cientistas” para a importância de comunicarem o seu trabalho “porque vontade de os ouvir não falta”.
Mesmo quando os cientistas estão disponíveis para falar, não podem ficar com a ideia de que os jornalistas são meros intermediários da mensagem que querem passa. “O que é mais interessante para o cientista não é necessariamente o mais importante para o jornalista”, afirmou.
David Marçal partilha a perspetiva pessimista sobre a comunicação nesta área, considerando que “a ciência não tem acesso aos espaços de grande audiência, como telejornais em horário nobre” e condenando a “cobertura noticiosa de pseudociência sem sentido crítico”. Segundo o comunicador de ciência, “a pseudociência passa nos espaços de publicidade completamente impune”, apesar de existir um decreto-lei de 2015 que proíbe a publicitação de informações que não estejam cientificamente provadas.
Interpelado diretamente sobre o assunto, Bruno da Costa Santos, da DECO, recordou que esta associação de defesa do consumidor apresentou queixa à Entidade Reguladora da Saúde e a várias autoridades contra o tipo de publicidade a suplementos protagonizados por figuras públicas, mas sem resultados.
Para o responsável, é um facto que o cidadão rejeita cada vez mais o conhecimento transmitido pelas fontes tradicionais, como os médicos, e privilegiam o “peer-to-peer”, de base empírica, o que dificulta o combate à pseudociência. Por outro lado, avisa que não se pode exigir que o cidadão seja uma espécie de “super-homem do conhecimento”, desde a prevenção ao tratamento.
Diana Barbosa, da Comunidade Cética Portuguesa, assentiu, considerando a pseudociência tanto mais grave quando se sabe que atinge sobretudo “públicos mais frágeis, como idosos, doentes e desempregados”, que estão em casa a ver televisão e que ainda confundem informação e entretenimento.
O encontro “Ciência, Saúde e Comunicação” terminou com a sessão de entrega dos Prémios Ciência Viva Montepio, que, este ano, distinguiram Teresa Firmino (editora de Ciência do jornal Público), Filomena Naves (jornalista do DN), Isabel Santos, doutorada em Ciências da Educação/Didáctica das Ciências pela Universidade de Aveiro, e Carlos Fiolhais, professor catedrático da Universidade do Coimbra, responsável pelo Centro Ciência Viva Rómulo de Carvalho, criador do blogue de cultura científica De Rerum Natura e autor de 42 livros de cultura e divulgação científica.