Uma equipa de investigadores do CINTESIS, através de um estudo realizado em animais, concluiu que um dos contaminantes que existem na nossa cadeia alimentar – e que em estudos anteriores foi encontrado no tecido gordo de doentes obesos seguidos num grande hospital nacional – tem a capacidade de alterar a nossa saúde metabólica, propiciando o desenvolvimento de obesidade, inflamação, diabetes e hipertensão, entre outras desordens do metabolismo.
Em causa está o DDE, um contaminante derivado de um pesticida – o DDT – usado para matar o mosquito da malária. Embora o uso de DDT tenha sido proibido na Europa e nos EUA entre os anos 70 e os anos 80, este pesticida persiste no solo e na água, contaminando os alimentos que hoje produzimos e consumimos.
Este tipo de poluentes, conhecidos por POPs (poluentes orgânicos persistentes), afetam sobretudo os alimentos ricos em gordura, sendo frequentes em alimentos como as carnes vermelhas, os laticínios e os peixes gordos, por exemplo. Depois de ingeridos, têm uma ação similar a algumas das hormonas que o corpo humano produz naturalmente, alterando o equilíbrio hormonal e criando um maior risco de desenvolvimento de obesidade e de outros problemas de saúde, como diabetes, hipertensão, entre outros.
Num estudo anterior, a equipa de investigação do CINTESIS estudou uma população de doentes obesos, que foram sujeitos a cirurgia bariátrica, no Serviço de Cirurgia de um dos maiores hospitais nacionais. Realizado em 2010/2011, este estudo revelou que esse grupo de doentes obesos apresentava, no seu tecido adiposo, uma grande quantidade de POPs. Para além disso, exibiam também diversos problemas metabólicos. A equipa de investigação concluiu, portanto, existir uma associação entre a desregulação metabólica e a presença de poluentes no tecido adiposo.
À luz desses e de outros resultados obtidos pela equipa portuguesa, decidiram estudar em maior profundidade os efeitos do DDE no metabolismo, através de um estudo realizado em animais de laboratório.
“Para isso, foram constituídos quatro grupos de ratos. Os dois primeiros grupos foram constituídos por ratos aos quais foram dadas concentrações de DDE 2,5 vezes inferiores às doses consideradas seguras. A diferença entre estes dois grupos dizia respeito ao tipo de dieta a que os ratos foram expostos: uns receberam uma dieta com muita gordura e outros uma dieta normal. Os dois restantes grupos de ratos (grupos de controlo) tinham em comum não serem expostos ao contaminante”, explica Diogo Pestana, autor deste trabalho de investigação.
Os resultados revelaram que os ratos submetidos à ingestão de contaminantes apresentaram maiores índices de hipertensão, diabetes, inflamação e dislipidemia, quando comparados com os ratos não sujeitos à ingestão de DDE. Apesar de mais exacerbado nos ratos sujeitos a uma dieta obesogénica, este padrão de agravamento observou-se também nos ratos que fizeram uma alimentação normal.
Para além disso, foi possível observar que o tecido adiposo dos ratos que ingeriram DDE ficou morfologicamente diferente. “Ou seja, o DDE não se acumula simplesmente nas células gordas (adipócitos), mas exerce uma ação nefasta sobre o normal padrão metabólico e de regeneração do tecido e altera a resposta dinâmica do tecido ao excesso energético, causando inflamação”, adianta o investigador do CINTESIS, que é também docente na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa.
Conceição Calhau, líder da equipa de investigação em nutrição do CINTESIS, defende que é necessário haver maior regulação política e maior literacia sobre nutrição. “Atualmente, não é possível definir recomendações precisas sobre padrões de consumo ideais tendo em conta níveis de contaminação, devido à escassez de dados. Por exemplo, não possuímos dados suficientes sobre a presença de poluentes orgânicos que persistem no ambiente e em alimentos consumidos em Portugal. A nossa investigação tem contribuído para gerar dados de biomonitorização em amostras (humanas) em Portugal e na avaliação dos mecanismos associados à doença. Ainda assim, o insuficiente investimento que tem sido dado a esta área de investigação, dificulta posicionamentos sustentados sobre esta matéria. Neste contexto deve ser incentivada a investigação nesta área e a escolha de uma alimentação variada”, defende a especialista.
Conceição Calhau lembra que “os POPs não são significativamente eliminados do nosso organismo, acumulando-se ao longo dos anos”. Estes contaminantes, que funcionam como disruptores endócrinos, provêm de uma grande diversidade de fontes, o que faz com que estejamos constantemente expostos à sua ação, designadamente por via oral, inalada e transdérmica. Apesar dos efeitos negativos cientificamente demonstrados destes poluentes orgânicos na saúde humana, a investigadora do CINTESIS e professora da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa acredita que existe ainda uma janela de prevenção, sobretudo durante a gravidez e na infância.
“É preciso que consumidores adotem medidas que reduzam a exposição a esses agentes negativos para a saúde”, defende, aconselhando a população a consultar um documento da Direção-Geral da Saúde sobre Contaminantes os Alimentos, no qual a equipa do CINTESIS cooperou. “Mas é sobretudo necessário realizar mais investigação e pressionar as entidades responsáveis pela segurança alimentar para regularem melhor o setor, com base em evidência científica”, sumariza.