As hospitalizações de doentes com registo de alergia às penicilinas associam-se a piores resultados clínicos e a custos económicos mais avultados, com um impacto negativo para os doentes e para sistemas de saúde. De acordo com um estudo recente, um correto diagnóstico de alergia às penicilinas permitiria com uma diminuição de 3.863 dias de internamento e uma poupança de cerca de 1,5 milhões de euros por ano, em Portugal.
De facto, apenas uma minoria destas eventuais alergias às penicilinas – incluindo a amoxicilina, o antibiótico de primeira linha num grande número de infeções – foi devidamente confirmada. Após um estudo diagnóstico adequado, apenas um em cada dez dos doentes é realmente alérgico.
A conclusão é de um estudo da autoria de vários investigadores do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, nomeadamente Bernardo Sousa Pinto (primeiro autor), António Cardoso-Fernandes, João Fonseca, Alberto Freitas, Luís Araújo e Luís Delgado. O artigo foi publicado este ano no prestigiado jornal Annals of Allergy, Asthma & Immunology, órgão oficial do American College of Allergy, Asthma & Immunology.
O estudo analisou dados da Administração Central do Sistema de Saúde referentes a todas as hospitalizações ocorridas em hospitais públicos portugueses entre 2000 e 2014, tendo comparado todos os episódios ocorridos em doentes com registo de alergia à penicilina (102.872 hospitalizações) com igual número de doentes com características demográficas e clínicas similares, mas sem registo de alergia à penicilina. O objetivo era perceber se existiam diferenças no que se refere, por exemplo, à duração do internamento e aos seus custos.
Os resultados indicam que os doentes supostamente alérgicos à penicilina representam um custo médio por hospitalização significativamente maior. No total, as hospitalizações nestes doentes ultrapassaram os 325 milhões de euros, o que significa mais 9% do que os custos do igual número de doentes sem indicação de alergia. Em alguns daqueles doentes, nomeadamente pacientes mais jovens com condições mais graves, os custos foram 27% mais elevados. Feitas as contas, em 15 anos, as hospitalizações de doentes com indicação de alergia à penicilina custaram um encargo adicional de cerca de 27 milhões de euros.
Além disso, o tempo de hospitalização dos doentes com registo de alergia à penicilina é quase 10% maior, totalizando um excesso de mais de 64.000 dias ao longo destes 15 anos. Em doentes mais graves, esta rotulagem traduziu-se num aumento de quase um quarto a metade do tempo de internamento, consoantes as idades fossem acima ou abaixo dos 30 anos.
Os doentes etiquetados como alérgicos à penicilina apresentam ainda um maior número de infeções por agentes resistentes a fármacos, com destaque para uma frequência significativamente maior de infeções do trato urinário e da pele.
De acordo com Bernardo Sousa Pinto, “existem claramente muitas pessoas com falsos diagnósticos de alergia a antibióticos da família das penicilinas, cujas consequências, em termos clínicos e de serviços de saúde, podem ser graves. Desde logo, estes doentes são tratados com antibióticos de segunda linha, que são menos eficazes e comportam um maior risco de resistências do que as penicilinas. Além disso, são mais caros, relacionando-se ainda com um maior número de reinternamentos”.
Assumindo que apenas um em cada dez dos doentes registados como alérgicos à penicilina é realmente alérgico, o investigador estima que “retirar esse rótulo aos restantes doentes hospitalizados resultaria numa diminuição anual de mais 3.863 dias de internamento e numa poupança de mais de 1.5 milhões de euros em despesas hospitalares”.
Bernardo Sousa Pinto, que tem vários estudos nesta área, defende, por isso, a necessidade de obter uma história clínica estruturada e, quando possível, a realização de testes de confirmação, nomeadamente provas de provocação, para estabelecimento do diagnóstico de alergia às penicilinas.