Os distúrbios alimentares, como a anorexia nervosa e a bulimia, estiveram na base de 4.485 hospitalizações entre 2000 e 2014, em Portugal. As conclusões são de um grupo de investigadores do CINTESIS, em colaboração com a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Publicado na revista científica International Journal of Eating Disorders, o estudo fez uma análise retrospetiva das admissões hospitalares durante 15 anos (de 2000 a 2014), usando, para isso, os registos clínicos de todos os hospitais públicos de Portugal continental. Os dados, cedidos pela Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), foram previamente anonimizados.
“Os resultados revelaram que o número de hospitalizações por distúrbios alimentares se manteve estável ao longo dos anos em estudo. No entanto, os casos de anorexia nervosa, em particular, subiram de 12,8 por 1 milhão de habitantes para 23,7 em 2014”, revelam no artigo os investigadores Ana Margarida Cruz e Manuel Gonçalves-Pinho.
A anorexia é a patologia mais frequente. 54% dos casos analisados referiam-se a esta doença. 27% dos casos estavam diagnosticados como distúrbios alimentares genéricos e 13% dos registos referiam-se a pacientes com bulimia nervosa. A maioria dos pacientes era do sexo feminino (87%) e tinha uma média de idades de 26 anos.
A equipa de investigação registou uma mortalidade intra-hospitalar de 0,9% no caso da anorexia nervosa, correspondendo a 25 mortes em quinze anos. Entre os pacientes afetados com pica (um distúrbio que se caracteriza pela vontade anormal de ingerir produtos não alimentares, como terra, moedas, carvão) registaram-se 3 mortes.
No total, foram registadas 229 tentativas de suicídio (5%), na sua maioria por parte de mulheres, sobretudo entre as que sofrem de bulimia (10%).
As hospitalizações em que se registaram a existência de distúrbios alimentares – para além de corresponderem a uma importante carga emocional e social para os pacientes – corresponderam a um “custo para o Sistema Nacional de Saúde estimado em 21,5 milhões de euros, numa média de 1,43 milhões de euros por ano”, alerta o coordenador da equipa de investigação, Alberto Freitas, investigador principal do CINTESIS, frisando que este cálculo contempla apenas os custos diretos do internamento, sendo que “existem muitos outros, a diferentes níveis, que não estão a ser contemplados”.
A anorexia nervosa é possivelmente uma das mais letais doenças mentais, devido à desnutrição associada e ao risco de suicídio que acompanha a patologia. Embora os dados revelem que o número de tentativas de suicídio é maior entre os pacientes com bulimia, os investigadores levantam a hipótese de os pacientes que sofrem de anorexia conseguirem, mais frequentemente e ajudados pela sua condição física mais fragilizada, pôr termo à vida na sequência de uma tentativa de suicídio. “Os casos de suicídio não constam da base de dados analisada. Só se internados ainda com vida. O que nos leva a supor que o número de mortes decorrentes de distúrbios alimentares deverá ser ainda mais elevado”, conclui Alberto Freitas.
“As perturbações do comportamento alimentar são um conjunto de patologias com uma representatividade importante no panorama hospitalar do nosso país. A saúde mental e o estigma social que infelizmente lhe está associada podem contribuir para o atraso na procura de ajuda especializada junto do psiquiatra ou médico de família. Quanto mais tardia for a procura de ajuda mais difícil será o tratamento”, explica o investigador e médico Manuel Gonçalves-Pinho, reforçando “a importância da educação para a saúde mental nas escolas, mais especificamente na identificação de comportamentos que poderão indicar uma perturbação do comportamento alimentar nos jovens”.