Uma equipa de investigação liderada por um investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/ICBAS – Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no âmbito da Ordem dos Farmacêuticos, avaliou o burnout e o impacto da COVID-19 nos farmacêuticos, numa amostra alargada aos diferentes setores de atividade, concluindo que a pandemia teve um “enorme impacto na saúde psicológica destes profissionais”.
“Os farmacêuticos diretamente envolvidos na prestação de cuidados à população estiveram mais expostos ao risco de burnout, quando comparados com colegas de outras áreas, não assistenciais”, explica Pedro Machado dos Santos.
De acordo com o investigador, participaram nesta investigação 1362 farmacêuticos, “uma percentagem bastante mais elevada do que qualquer estudo até então realizado, em Portugal”. Cerca de 91% dos participantes encontravam-se diretamente envolvidos na prestação de cuidados a doentes e apenas 7,7% não desenvolvia esse tipo de atividade. A grande maioria pertencia ao sexo feminino (85,5%) e trabalhava em contexto de farmácia comunitária (77%).
Os objetivos deste trabalho, publicado na “Frontiers in Psychiatry – Public Mental Health”, “a segunda revista de psiquiatria mais citada”, incluíam a identificação dos fatores principais que conduziam ao burnout entre os farmacêuticos, através de uma análise centrada na pessoa que identifica de forma original sete perfis, num contínuo entre burnout (a experiência mais negativa) e “compromisso” (a mais positiva). “Trata-se de um novo enfoque que aponta caminhos para a investigação e para futuras abordagens a um problema global (e atual)”, explica o investigador Pedro Machado dos Santos.
As conclusões indicam que o risco de burnout entre os farmacêuticos esteve relacionado sobretudo com a carga laboral, a experiência profissional e o grau de confiança no exercício da sua atividade. Assim, “a probabilidade de desenvolver burnout revela-se maior entre os farmacêuticos com menos experiência e menos confiança”.
Os números mostram que cerca de 41% dos farmacêuticos não se sentiam confiantes a prestar cuidados a doentes COVID-19, preocupando-se sobretudo com a possibilidade de virem a infetar os seus familiares (88,5%). Cerca de 42% estavam também preocupados com a própria saúde mental, indica o estudo.
Na sua prática profissional, cerca de 90% dos farmacêuticos sentiram-se afetados pela preocupação com o futuro, quase 83% apontaram uma sobrecarga de trabalho, 67% consideraram a informação disponível como incompleta ou incerta e 59% assinalaram a falta de recursos.
No que diz respeito ao burnout, a realização pessoal foi a dimensão mais afetada (em 50% dos farmacêuticos que prestavam cuidados), das três dimensões consideradas neste estudo. A segunda consequência mais apontada foi a exaustão emocional (35,8) e a terceira, a despersonalização (distância crescente do próprio trabalho ou sentimentos negativos ou cinismo em relação ao mesmo).
“A carga de trabalho surgiu como preditor de maior exaustão emocional, com grande impacto naqueles que trabalharam mais de 50 horas por semana ou praticamente todos os fins de semana” (cerca de 45%), revelam os autores.
Pedro Machado dos Santos considera que, face a estes resultados, “é preciso identificar os profissionais mais expostos ou mais vulneráveis”, bem como “desenvolver estratégias preventivas e intervenções que promovam o bem-estar psicológico dos farmacêuticos”. Estas estratégias preventivas devem “focar-se no equilíbrio entre o trabalho e a vida familiar ou social, no apoio dos pares, na educação contínua e no autocuidado”.
A nova classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), a CID-11, tornou a síndrome do burnout numa doença ocupacional, resultando de “um stress crónico no local de trabalho que não foi bem gerido”. Na descrição de burnout, a OMS contempla a presença de três dimensões: sensação de esgotamento ou esgotamento de energia; aumento da distância mental do trabalho ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho e uma sensação de ineficácia e falta de realização.