Fernando Magro, investigador integrado do CINTESIS, no grupo Charter – Desafios e Estratégia em Investigação em Saúde, é, desde março, presidente eleito da ECCO – European Crohn’s and Colitis Organisation. Foi a primeira vez que um português conquistou a liderança desta organização de referência na área da Doença Inflamatória Intestinal (DII). Uma vitória que representa o reconhecimento do trabalho que vem desenvolvendo nas últimas décadas.

Atualmente, é também Professor Associado Convidado com agregação e membro da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, investigador do RISE – Laboratório Associado (onde coordena uma Linha Temática), além de diretor da Farmacologia Clínica e médico gastrenterologista do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ). É ainda membro honorário e coordenador do programa científico do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal (GEDII), membro da Organização Internacional para o Estudo da Doença Inflamatória Intestinal (IOIBD) e Editor Associado do United European Gastroenterology Journal (UEG Journal).

Nasceu há 58 anos, em Vinhais, onde estudou até ao 9º ano. Fez o ensino secundário em Bragança. Hesitou entre Química e Medicina, mas optou pela Medicina. Tinha “o desafio de tratar doentes e poder ajudar o próximo”, recorda. Em 1989, concluiu o curso de Medicina na FMUP, onde viria a doutorar-se. Em 1991, iniciou o seu percurso na área da Gastrenterologia, como médico interno, no (então) Hospital de São João, diferenciando-se desde cedo na área da doença de Crohn e da colite ulcerosa, duas doenças imunomediadas e sem cura.

“Na época, poucos médicos dedicavam-se ao estudo destas duas doenças, que considero fascinantes pelos mecanismos envolvidos e pelos desafios que lançam. No início, havia poucos fármacos que as controlassem e os doentes tinham uma péssima qualidade de vida”, lembra.

Mais tarde, “com o aparecimento dos imunomoduladores e, particularmente, com a terapêutica biológica, o tratamento destas doenças evoluiu imenso. Hoje temos fármacos eficazes e novos conceitos no tratamento. Por exemplo, antigamente começávamos a tratar os doentes somente quando tinham sintomas. Agora sabemos quase 75% dos doentes sem sintomas têm inflamação subclínica, isto é, já há inflamação antes do diagnóstico e pode haver inflamação subclínica persistente depois do diagnóstico. Só atender a sintomas já não é suficiente”, observa.

Devido à eficácia dos novos fármacos, os objetivos do tratamento da DII também mudaram: “Hoje em dia, tratamos a inflamação subclínica e seguimos alvos terapêuticos diferentes. Começámos por ter como alvos a resposta e a remissão clínica. Evoluímos e temos como alvos, designadamente, a cicatrização de todas as camadas da mucosa e a remissão histológica e transmural. Não há cura, mas há um tratamento mais efetivo que permite alterar a história natural da doença e melhorar a qualidade de vida dos doentes”.

Como investigador do CINTESIS/FMUP e como médico, o seu grande foco tem estado sempre na gestão, tratamento e prognóstico da DII, contribuindo para a evolução nesta área, nomeadamente através de novos “endpoints” em ensaios clínicos, da harmonização e estandardização dos processos histológicos de avaliação dos doentes, da descoberta de novos biomarcadores e do doseamento de fármacos e anticorpos como estratégia de maximização terapêutica.

Outro dos seus contributos foi sido fundador, em 2005, do GEDII – Grupo de Estudos em Doença Inflamatória Intestinal. “Precocemente percebi que era necessário haver pessoas que reunissem a informação dos vários centros do país de forma sistemática. Um só centro não tem capacidade de coligir o número suficiente de doentes. Este network nacional é essencial para a investigação e para a formação”, sublinha.

Com esse “guarda-chuva”, tem desenvolvido, no CINTESIS, investigação em modelos preditivos de diagnóstico e de tratamento, juntamente com investigadores de diversas áreas (biólogos, bioquímicos, informáticos, médicos, matemáticos).

Movimentando-se entre a ciência fundamental e a medicina de translação, entre a Imunologia e a Gastrenterologia, Fernando Magro tem explorado conceitos novos e tem coordenado ou participado em projetos inovadores e promissores, caso do projeto sobre a importância do microbioma fecal na DII.

Às gerações mais jovens, deixa uma mensagem: “Atualmente, não se pode fazer boa investigação fundamental, de translação ou clínica sem ter um foco persistente. Tem de haver financiamento, mas também de tem haver vontade da estrutura decisora. É preciso estimular, incentivar e premiar estes percursos”.

Ambição a 1 ano?

Neste momento, estamos a estudar a importância de determinados biomarcadores e da histologia na doença de Crohn.

Temos também um grande projeto de avaliação do microbioma fecal (bactérias, vírus e fungos) e da sua correlação com a resposta dos doentes à terapêutica para a doença inflamatória intestinal (DII).

Ambição a 10 anos?

Este projeto do microbioma constituirá uma investigação pelo menos para dez anos e pode alterar o entendimento da doença inflamatória intestinal.

Queremos conhecer as implicações deste microbioma no tratamento, qual é o seu fator preditivo. Sabemos que determinadas populações de bactérias, vírus e fungos estão alteradas na DII e que podem ser responsáveis pela perpetuação da inflamação, isto é, podem ser imunogénicas. Queremos identificar microrganismos que possam ser marcadores de resposta ou não resposta à terapêutica.

Que vida para além da investigação?

Não tenho muito tempo livre. Gosto de ver filmes, de ler livros e de dedicar o tempo à família. Gosto muito de poesia.