A pandemia terá acentuado o medo do parto nas grávidas portuguesas. Quem o diz é Ana Paula Prata, investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), num artigo de reflexão publicado na Revista Brasileira de Enfermagem.
“Com a pandemia de COVID-19, o medo e a incerteza ganharam uma dimensão sem precedentes na forma negativa como muitas grávidas têm antecipado e experienciado o parto”, afirma.
A especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica teve por base testemunhos recolhidos em diferentes instituições de saúde, nos média e nas redes sociais ao longo de 2020, em Portugal e no Brasil.
De acordo a Ana Paula Prata, a taxa de “medo severo do parto” estará próxima dos 10%. Uma percentagem que terá escalado nos últimos meses. A responsável aponta várias razões para o aumento do medo do parto durante a pandemia, como sejam “a incerteza e imprevisibilidade quanto ao futuro, a exposição ao perigo ou à insegurança, a perda de autonomia na tomada de decisões, a impossibilidade de fazer escolhas pessoais, o paternalismo e a sensação de falta de controlo”.
“Houve uma grande mudança nas práticas obstétricas e quase uma desorientação geral sobre quais seriam os melhores cuidados às mulheres grávidas e às parturientes. De repente, vários direitos que haviam sido conquistados pelas mulheres, como o da autonomia ou ao consentimento informado, foram por água abaixo”, diz.
Segundo Ana Paula Prata, “o primeiro impulso foi proteger as grávidas e as parturientes, mas nessa ânsia de proteção, houve cesarianas desnecessárias, induções do trabalho de parto antes do tempo, suspensão do direito a ter um acompanhante no parto e no pós-parto, desencorajamento do contacto pele com pele e da amamentação, principalmente nos casos suspeitos de infeção ou positivos. Temos muitas mulheres a queixarem-se de que os seus direitos não foram respeitados”.
“Kit de Primeira Ajuda para grávidas em tempos de pandemia”
Para fazer face ao medo do parto, em particular durante a pandemia, a investigadora propõe uma ferramenta de apoio que pode ser fornecida às grávidas durante os cuidados presenciais ou online, que designa como “Kit de Primeira Ajuda”. Trata-se essencialmente de um conjunto de passos que devem ser seguidos e que contemplam informação, um plano de parto, rotinas saudáveis, relaxamento e afetos.
“As mulheres devem ser informadas durante toda a gravidez. Deve-se manter a informação e a preparação para o parto, assim como incentivar as rotinas saudáveis e a manutenção dos afetos. O plano de parto é um instrumento extraordinariamente importante porque ajuda a mulher a refletir sobre o que ela considera necessário para ter uma experiência positiva e a ultrapassar os seus medos”, explica Ana Paula Prata.
Unidades de Cuidados de Maternidade
O medo do parto, acentuado pela pandemia, poderá ter outras consequências. No entender de Ana Paula Prata, poderá, por exemplo, levar muitas mulheres a optarem por ter os seus filhos em casa.
No sentido de dar resposta a estas mulheres, Ana Paula Prata integra um grupo que defende a abertura de unidades de cuidados na maternidade (UCM), no âmbito da rede “Midwifery Unit Network” e do “Midwifery Unit Standard”, que está traduzido para português.
“Toda a evidência científica corrobora que o parto em casa é seguro. O problema é o parto em casa sem assistência profissional! Estas unidades são locais onde se prestam cuidados obstétricos a mulheres saudáveis, com gravidezes sem complicações, de baixo risco, geridas por enfermeiros especialistas de Saúde Materna e Obstétrica (EESMO). Assentam num modelo biopsicossocial, de continuidade de cuidados, centrado na mulher. Estas unidades podem estar localizadas fora dos hospitais ou adjacentes a uma unidade obstétrica”, nota a especialista.
A ideia é que as UCM sejam implementadas no Serviço Nacional de Saúde e que sejam acessíveis a todas as mulheres. Em Portugal, ainda não existem Unidades deste género, mas são muito comuns noutros países, nomeadamente em Inglaterra e nos países nórdicos, estando a ser implementadas em toda a Europa.
Além do ano marcado pela declaração da pandemia de COVID-19, 2020 foi também o Ano Internacional do Enfermeiro e da Parteira, ou Enfermeiro(a) Especialista em Saúde Materna e Obstétrica. A Organização Mundial de Saúde (OMS) calcula que, em todo o mundo, sejam necessários mais nove milhões de enfermeiros e parteiras para atingir os objetivos de cobertura universal de saúde até 2030.