Apaixonado pela investigação do cérebro, pela neuromodulação e pela reabilitação cognitiva, Jorge Leite é um dos mais recentes membros do CINTESIS@RISE. O neurocientista, que é também vice-reitor para a Investigação da Universidade Portucalense e professor universitário, explica que a principal motivação para integrar esta Unidade de Investigação e Laboratório Associado foi fazer parte de uma rede “capaz de criar escala e dimensão” e que permite estabelecer “sinergias e parcerias” entre grupos de diferentes áreas.
“A minha contribuição para a ciência é intervir na saúde mental e na reabilitação cognitiva. Esta área, além de subfinanciada, está subdimensionada para responder às necessidades do país. Se queremos resolver um problema de saúde pública, é fundamental colaborarmos em rede. É uma questão de escala. Se queremos produzir ciência de qualidade com impacto internacional, precisamos de ter um ecossistema abrangente com massa crítica e de partilhar recursos. Estamos em condições de produzir resultados com verdadeiro impacto na sociedade”, argumenta.
Nascido a 30 de junho de 1982, em Guimarães, licenciou-se em Psicologia pela Universidade do Minho (2001-2005). Embora não tenha sido “paixão à primeira vista”, acabou por se transformar num amor duradouro, graças à Neuropsicologia e a à Psicofarmacologia. No final do primeiro ano do mestrado em Psicologia, foi desafiado a avançar para o doutoramento. Estávamos em 2007 e a Universidade do Minho estava a instituir o primeiro laboratório de Neuropsicologia do país, dotado de equipamento inovador para estimulação magnética transcraniana.
Especializou-se em neuromodulação não invasiva, processo que visa alterar o funcionamento do cérebro, sem recurso a cirurgia. Em Portugal, esta era ainda uma área emergente. Por isso, fez formação e desenvolveu atividade noutros países, nomeadamente na Alemanha (2008) e Neuromodulation Center do Spaulding Rehabilitation Hospital/Harvard Medical School, colaborando com renomados especialistas a nível mundial.
O seu percurso não foi planeado desde o início. Nem tinha de ser. “Se há alguma coisa que eu aprendi na minha carreira é que o percurso não é linear. Há uma série de situações e de oportunidades que vão surgindo e que condiciona o nosso caminho”, afirma.
No seu doutoramento, concluído em 2011, Jorge Leite dedicou-se a estudar a modulação de comportamentos através da estimulação de regiões do cérebro, nomeadamente a modulação da flexibilidade cognitiva, que é nuclear para o funcionamento executivo e preditora de adaptação e sucesso em contexto escolar, mas que está afetada no envelhecimento e em determinadas patologias. Um dos objetivos era conseguir alterar a capacidade de planeamento quando as regras mudam “a meio do jogo”, como quando, no dia a dia, temos de nos adaptar às contingências. Um exemplo? Quando conduzimos o carro e somos obrigados a desviar-nos repentinamente de um obstáculo para evitar um acidente.
“Existem alguns défices e síndromes neurológicos em que o cérebro persevera no erro. Queria saber que regiões do cérebro deveríamos utilizar para alterar a flexibilidade cognitiva. Descobrimos que podíamos modular competências interferindo em diferentes regiões cerebrais”, explica.
Depois de gerar conhecimento sobre os mecanismos e processos de funcionamento cerebral, sobretudo sobre a cognição, era chegada a hora de fazer a translação para a prática clínica, otimizando a técnica de estimulação cerebral para potenciar os seus efeitos benéficos. Foi o que fez ao desenvolver uma intervenção personalizada, com técnicas de Neuroimagem, para um adolescente que sofria de síndrome de Tourette severo e que, em duas semanas, registou melhorias assinaláveis. “Percebemos que este era um caminho interessante porque o futuro é individualizar todas as intervenções”, entende.
Em 2017, foi o primeiro autor de um estudo que mostrou, pela primeira vez, que era possível usar a eletroencefalografia para guiar a neuromodulação não invasiva, registando e estimulando ao mesmo tempo, como já acontecia na estimulação cerebral profunda. Este foi o seu primeiro projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) enquanto investigador responsável.
No segundo projeto financiado pela FCT que liderou, o objetivo foi testar a aplicabilidade clínica da neuromodulação em pessoas com défice cognitivo ligeiro, que correm um risco acrescido de demência, especialmente do tipo Alzheimer. A ideia é atrasar a progressão da demência associada ao envelhecimento. O estudo mostra que a estimulação cognitiva mais treino cognitivo em pessoas idosas potencia alguns resultados, mas não de forma muito significativa. Ainda.
“Foi surpreendente, mas não totalmente inesperado. Temos de começar a olhar para o cérebro como algo moldável e plástico. Apesar de termos mais conhecimento sobre a ligação entre mecanismos cerebrais e diferentes patologias, modular o cérebro é outro campeonato”, ressalva.
Neste momento, diz, “o desafio é guiar este tipo de intervenções terapêuticas de forma eficaz. Estamos a tentar perceber como podemos melhorar a comunicação entre diferentes regiões do cérebro, utilizando a neuroestimulação, para termos impacto a nível do funcionamento cognitivo, nomeadamente durante o processo de envelhecimento. Se promovermos essa conectividade, promovemos a melhoria cognitiva. Também queremos desenvolver intervenções com estimulação cerebral não invasiva para promover a melhoria dos sintomas em doenças do foro psiquiátrico, como a depressão e a perturbação obsessivo-compulsiva (POC)”.
O próximo passo é evoluir dos estudos centrados em populações reduzidas e homogéneas para grandes ensaios com doentes destinados a demonstrar a aplicabilidade clínica das intervenções baseadas na neuromodulação para aumentar ou diminuir o funcionamento de regiões cerebrais, com mais segurança, mais eficácia e menos custos. Além do potencial na prevenção de demência e nas doenças mentais, a neuromodulação pode desempenhar igualmente um papel em situações como traumatismo crânio-encefálico e dor crónica.
Jorge Leite regista cerca de 70 publicações científicas, incluindo artigos em revistas científicas e capítulos de livros, e tem participado ou supervisionado projetos envolvendo financiamento da ordem dos seis milhões de euros. Do seu currículo fazem ainda parte vários prémios e distinções.
Ambição a 1 ano?
Espero ter três estudos preliminares a entrar em “velocidade de cruzeiro” sobre a utilização da neuromodulação cerebral. Um é no envelhecimento, outro é na perturbação obsessivo-compulsiva e um terceiro será, provavelmente, na dor. O objetivo é começar a fazer o recrutamento inicial, provar que as intervenções funcionam e justificar o financiamento em ensaios mais alargados.
Ambição a 10 anos?
A minha ambição é passar de estudos preliminares para grandes ensaios clínicos que permitam gerar um nível de evidência mais elevado sobre a eficácia das intervenções de neuromodulação cerebral, não farmacológicas, de modo que estas possam ser consideradas, eventualmente, como uma opção terapêutica na reabilitação cognitiva e na alteração do funcionamento cerebral disfuncional.
O foco é sempre utilizar o conhecimento dos mecanismos do cérebro para direcionar a intervenção. De resto, já existe evidência suficiente da sua utilidade em doenças como a depressão e algumas evidências na sua utilidade no envelhecimento.
Se conseguirmos desenvolver uma intervenção segura, eficaz, bem tolerada e com baixo custo, estaremos a contribuir para a qualidade de vida e para um envelhecimento saudável. Algumas destas metodologias têm um custo residual, o que pode facilitar a sua aplicação no Serviço Nacional de Saúde.
Neste momento, ainda não estamos preparados para estender estas intervenções massivamente a toda a população. Ainda estamos na fase da investigação para definir critérios e parâmetros. Mas é inegável que elas poderão, inclusivamente, reduzir a dependência farmacológica em determinadas condições.
Que vida para além da investigação?
Os meus tempos livres são dedicados à família. A minha mulher também trabalha na academia, na área das Neurociências, e temos duas filhas, uma com sete anos e outra com cinco anos. Independentemente dos afazeres académicos, nunca vou prescindir de as receber, quando elas chegam da escola. O meu horário de trabalho está segmentado porque não abdico de as ver crescer. Para mim, é prazeroso, não é uma obrigação. É também uma questão de saúde mental. Com elas, não sou o cientista, nem o vice-reitor, nem o professor universitário; sou simplesmente o pai, só me interessa que sejam felizes. Espero dar-lhes apoio e recursos para que elas possam enfrentar os desafios que vão ter pela vida fora.