Conhecida pela sua energia inesgotável e pela alegria contagiante, Liliana Mota é também uma investigadora apaixonada pelo que faz, uma criadora de “apóstolos”, uma defensora do trabalho em equipa e da ligação à prática clínica e uma cientista com elevada consciência do impacto que o seu trabalho pode ter na sociedade.

Decerto terão sido estas algumas das razões para que tivesse sido distinguida, recentemente, com o Prémio de Investigação da Ordem dos Enfermeiros (Região Centro). O galardão foi atribuído recentemente à investigadora integrada do grupo de investigação Tech4edusim, do CINTESIS, e no Laboratório Associado RISE, assim como Professora Adjunta da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa.

A sua reação ao reconhecimento prestado pelos seus pares foi muito emotiva, embora um pouco tardia, uma vez que, no dia da cerimónia de entrega, estava internada por um problema súbito de saúde, do qual já se encontra totalmente recuperada. Em entrevista, falou-nos da honra e do orgulho que foi receber este prémio, mas também do seu entusiasmo pelos projetos de investigação que está a desenvolver e pelo muito que pretende fazer e atingir.

Nascida e criada em Vila Nova de Gaia, Liliana Mota fez todo o seu percurso escolar neste concelho. Como estudante extremamente aplicada, com médias de 19 valores, não esconde que a Medicina era o seu curso de eleição, não tendo entrado por uma décima (tinha 18,4, quando o último estudante a entrar tinha 18,5). Optou por fazer Enfermagem, na Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), então Escola Superior de Enfermagem de São João, tendo concluído a licenciatura em 2004 e começado logo a trabalhar como enfermeira no Centro Hospitalar do Porto (CHP), na altura Hospital de Santo António, na área da transplantação hepática, reno-hepática e reno-pancreática, integrando, mais tarde, o Conselho de Transplantação da Unidade de Transplante Hepático e Pancreático.

Dois anos depois, ingressou no Mestrado em Informática Médica (MIM) da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), coordenado por Altamiro da Costa Pereira, atual coordenador do CINTESIS e diretor desta Faculdade. “Tenho imenso orgulho em ter feito parte da primeira edição, em 2006. Foi esse curso que me abriu os horizontes e que me permitiu olhar para os cuidados, para a investigação e para a informatização em saúde de outra forma”, recorda.

Entre 2010 e 2011, enveredou pela Pós-licenciatura e Mestrado em Enfermagem Médico-Cirúrgica na ESEP para reconhecimento da sua especialização pela Ordem dos Enfermeiros. Não tinha ainda terminado este mestrado e já estava a começar o Doutoramento em Ciências da Enfermagem da Universidade do Porto, durante o qual desenvolveu um modelo de acompanhamento ao doente submetido a transplante hepático.

Em 2010, iniciou o seu percurso como docente, primeiro como Assistente Convidada na ESEP até 2016, quando surgiu a oportunidade de se dedicar ao ensino a tempo integral. Deixou, então, a ESEP e o CHP para rumar à Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, em Oliveira de Azeméis, onde, além de Professora Adjunta, ocupa atualmente o cargo de presidente do Conselho Técnico-Científico, coordenadora da unidade de investigação e editora-chefe da Revista de Investigação & Inovação em Saúde, que, com três anos de existência, conta já com nove indexações internacionais.

A integração no CINTESIS surgiu depois do doutoramento, em 2018, a convite do coordenador do grupo Tec4edusim, Miguel Padilha, fruto do interesse da investigadora pela área da simulação em saúde e das provas dadas neste campo, com prémios atribuídos no âmbito da Sociedade Portuguesa de Simulação Aplicada às Ciências da Saúde e do centro de simulação da sua Escola (Prémio de Estímulo à Investigação da Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, em 2020).

“Obter financiamento para os nossos projetos é a nossa maior dificuldade. Estamos a tentar conseguir verbas através do H2030. As ferramentas de desenvolvimento tecnológico suportadas pela investigação precisam de investimento”, explica.

Uma das mais-valias de pertencer ao CINTESIS é precisamente “o networking” que possibilita “alavancar a investigação” e favorece a obtenção de financiamento. “O número de vezes que nós vamos a jogo, independentemente de conseguirmos financiamento ou não, também é fundamental. A chancela do CINTESIS ajuda-nos porque estamos constantemente a receber informação sobre candidaturas abertas e permite-nos trabalhar em colaboração com investigadores de outras áreas”, sublinha.

A investigadora destaca ainda “a visão multidisciplinar e colaborativa e a abertura para que todas as disciplinas do conhecimento possam dar o seu contributo. O CINTESIS não pode perder esta visão porque é ela que o torna diferente de todas as outras unidades de investigação, é esta visão diferenciadora que o torna poderoso. Foi isso que me seduziu”.

Para ela, “a riqueza do CINTESIS está em conseguir parceiros de outras áreas do conhecimento. Noutras unidades, isso seria muito difícil”. E continua: “Esta capacidade de perceber a importância da multidisciplinaridade é fulcral. Não podemos continuar a olhar para o desenvolvimento científico de forma unidisciplinar. Nós aprendemos que somos complementares e que é nesta complementaridade que conseguimos ser verdadeiramente significativos para as pessoas que são alvo dos nossos cuidados. É fundamental que a investigação possa dar resposta às necessidades da sociedade. É para isso que a ciência existe”.

Atualmente, Liliana Mota está a trabalhar em vários projetos em simultâneo, designadamente um projeto de validação para a população portuguesa de um instrumento de avaliação da efetividade da aprendizagem com recurso à simulação, outro de validação para a  população portuguesa de um instrumento para avaliação das necessidades de formação dos enfermeiros em Gastroenterologia e outro ainda relacionado com “serious games” na aprendizagem de estudantes de Enfermagem. A investigadora está igualmente a desenvolver uma ferramenta educativa para implementação da prática clínica baseada na evidência, bem como um modelo que visa a preparação de militares para teatros de operações em saúde.

Para além da simulação, está a apostar em projetos que pretendem criar uma ferramenta tecnológica para pessoas com doença crónica e suas famílias e uma outra ferramenta tecnológica destinada a sobreviventes de doença crítica. Para o desenvolvimento tecnológico recebeu, no final de 2023, o Prémio H-Innova – Health Innovation Hub, na categoria PhD Researchers, juntamente com outros investigadores, na Digital Health Summit, para a ferramenta dedicada aos sobreviventes de doença crítica.

Do seu extenso currículo constam ainda uma pós-graduação em Gestão de Serviços de Saúde (2019-2020) e uma pós-graduação em Cuidados Paliativos (2021). Tem trabalho de investigação publicado em diferentes áreas, desde o transplante hepático e doente transplantado aos sistemas de informação em Enfermagem, passando pelas competências de liderança de um enfermeiro especialista, prática baseada na evidência, oncologia, cuidados intensivos, cuidados paliativos e simulação no contexto do ensino.

Ambição a 1 ano?

Dentro de um ano, eu gostava muito de conseguir um grande financiamento no H2030. Esse seria o grande objetivo para os projetos que tenho em curso, principalmente os que estão suportados em desenvolvimento tecnológico. Também gostaria muito que a Cruz Vermelha Portuguesa se tornasse um “Living Lab”.

Ambição a 10 anos?

Dez anos é muito tempo! Gostaria que a Cruz Vermelha Portuguesa fosse centro associado CINTESIS@RISE. Acredito que o “Living Lab” seria uma grande alavanca para que pudéssemos ser um centro afiliado e para desenvolvermos outro tipo de investigação. Acredito que esse será o caminho.

Vida para além da investigação e da docência?

Eu sou saxofonista. Fiz o curso no Conservatório de Música de Gaia. Ia para as aulas de Enfermagem com o saxofone às costas. O desenvolvimento de competências transversais que a música permite foi fundamental para que me tornasse na pessoa que hoje sou. Portanto, nos meus tempos livres, gosto muito de tocar saxofone. É algo que me inspira muito. Só tenho pena de não ter tempo para voltar aos palcos.