A maioria dos pacientes com história de alergia às penicilinas sujeitos a cirurgia pode tomar em segurança o antibiótico habitualmente recomendado pelas autoridades de saúde para profilaxia antibiótica (a cefazolina), ao invés de outros antibióticos que são menos efetivos e mais caros. As conclusões são de um estudo levado a cabo por investigadores do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), do Massachusetts General Hospital (EUA) e da Universidade do Colorado (EUA), agora publicado na revista JAMA Surgery.
O estudo, uma meta-análise de grande robustez científica, confirmou que “a cefazolina pode ser dada à maioria dos pacientes que reportam alergia às penicilinas”, explica Bernardo Sousa Pinto, autor principal do estudo, investigador do CINTESIS e professor do Departamento de Medicina da Comunidade, Informação e Decisão em Saúde da FMUP. Em parte, os resultados explicam-se pela baixa frequência de alergia confirmada às penicilinas: “muitos pacientes acham que são alérgicos às penicilinas, quando na verdade não o são. Tiveram manifestações infeciosas na infância que foram confundidas com alergias. Isto reflete a necessidade de os pacientes que reportam alergia às penicilinas serem adequadamente testados”, acrescenta o especialista.
A não-utilização de cefazolina em pacientes com registo de alergia às penicilinas tem por base dados de estudos antigos, dos anos 1960 e 1970, que registavam uma frequência elevada (8%) de reatividade cruzada entre as penicilinas e a cefazolina. Contudo, de acordo com a investigadora Meghan Jeffres, da Universidade do Colorado, “esses valores são bastante superiores aos reais. A não-utilização de cefazolina em pacientes que não são verdadeiramente alérgicos às penicilinas é preocupante, uma vez que este antibiótico é mais eficaz contra agentes frequentemente causadores de infeções cirúrgicas”.
Ou seja, a frequência de alergia simultânea à cefazolina e penicilinas é de tal forma pequena que a maioria dos pacientes com história de alergia às penicilinas pode receber com segurança cefazolina no contexto de profilaxia cirúrgica. Segundo Kimberly Blumenthal, outra das autoras do estudo e médica no Massachusets General Hospital, “o estudo verificou que a frequência de alergia simultânea às penicilinas e cefazolina ronda os 0,7%, ascendendo aos 3% nos pacientes com alergia confirmada às penicilinas”.
Em Portugal, a Direcção-Geral da Saúde recomenda a cefazolina como antimicrobiano de primeira escolha para as cirurgias. Contudo, em pacientes com história de alergia à penicilina, é sugerida a utilização de outros fármacos, tais como outras cefalosporinas, vancomicina ou clindamicina.
Existem muitas pessoas com falsos diagnósticos de alergia a antibióticos da família das penicilinas, cujas consequências, em termos clínicos e de serviços de saúde, podem ser graves. “Desde logo, estes doentes são tratados com antibióticos de segunda linha, que são menos eficazes e comportam um maior risco de resistências do que as penicilinas”, explica Bernardo Sousa Pinto.
Note-se que o português já participou noutros trabalhos que revelaram que a testagem para a alergia às penicilinas permite poupanças económicas substanciais (na ordem dos 282 euros por doente internado nos hospitais portugueses e até 2103 euros em contexto de ambulatório), para além de terem permitido calcular que apenas um em cada dez doentes diagnosticados é realmente alérgico às penicilinas. Os estudos referidos contaram também com a participação de Luís Araújo e Luís Delgado, Ana Margarida Pereira, Luís Filipe Azevedo e João Almeida Fonseca, investigadores CINTESIS/FMUP.