Foi atleta de alta competição em patinagem artística até ao 5º ano do curso de Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), tendo sido campeão europeu e terceiro classificado no Mundial de grupos. Hoje faz surf na praia de Matosinhos, em família, e enfrenta outras ondas. Faz ideia de quem é?

Falamos de Manuel Ferreira de Magalhães, investigador integrado do grupo PaCeIT – Patient Centered Innovation and Technologies, do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, na área das doenças respiratórias, além de professor universitário e médico pediatra com diferenciação em Pneumologia Pediátrica. Nos últimos meses, viu-se a braços com um dos maiores desafios da sua vida: prevenir e tratar a COVID-19 em crianças e responder às dúvidas e angústias dos pais (talvez o mais difícil).

Nascido a 13 de novembro de 1984, é o mais novo de três irmãos e o único da família que seguiu a área da saúde. Quando era novo, queria ser engenheiro como o pai. “Agora pergunto ao meu filho e ele também quer ser médico”, compara. O interesse pela Medicina chegaria mais tarde, muito por causa da patinagem artística (era para ter sido hóquei em patins), que começou a praticar com apenas sete anos de idade, no Clube Infante de Sagres, no Porto, e, depois, noutros clubes, mas sempre com o mesmo treinador. Como atleta de alta competição, era natural que aparecessem lesões e fraturas, embora não muito graves, mas que lhe proporcionaram um contacto periódico com ortopedistas e um melhor conhecimento do corpo. “Isto terá contribuído para a minha escolha por Medicina”, explica.

Em 2002, quando entrou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, a sua ideia era ser ortopedista ou neurocirurgião. Mudou de ideias quando teve aulas de Pediatria. “Tive a sorte de ter aulas com os professores José Manuel Aparício e Carla Rêgo, que são pessoas extraordinárias e que me cativaram para a área”, recorda.

Terminado o curso, em 2008, fez internato geral no Hospital de Vila Franca de Xira e em 2010 entrou no internato de Pediatria, em Setúbal. Nesse mesmo ano, candidatou-se ao Programa Doutoral em Investigação Clínica e de Serviços de Saúde (PDICSS), na FMUP.

“Eu sempre quis fazer investigação. Só não sabia se seria investigação básica ou clínica. A experiência deu-me a certeza de que queria fazer investigação clínica em serviços de saúde e na área respiratória”, conta.

Foi nessa altura que ingressou no CINTESIS, como investigador. Quer no doutoramento, quer no Centro de Investigação, teve como referência o antigo professor de Bioestatística e atual líder do PaCeIT, João Fonseca.

“A minha entrada no CINTESIS foi natural. Estive sempre na estrutura, que me apoiou e me deu acesso à investigação. Houve muitos investigadores do CINTESIS que me ajudaram imenso. Foram fundamentais. Acho que devem ser raras as pessoas que ficam doutoradas sozinhas. Torna-se muito mais fácil, muito mais interessante e muito mais produtivo com uma equipa”, diz.

Terminou o internato de Pediatria em 2015, no Centro Hospitalar Universitário de São João (CHSJ) e o doutoramento na FMUP em 2017. É medico especialista em Pediatria no Centro Materno-Infantil do Norte desde 2018, na Unidade de Pneumologia Pediátrica, além de fazer Urgência de Neonatologia. É também pediatra do INEM – Instituto Nacional de Emergência Médica (em articulação com o CHUSJ), fazendo transporte intra-hospitalar de crianças criticamente doentes de toda a região Norte para unidades de cuidados intensivos. É ainda Professor Auxiliar Convidado do ICBAS e FMUP.

Do seu currículo constam também um Fellowship em Pneumologia Pediátrica no Children´s Hospital of Philadelphia (2014) e uma Pós-Graduação em Medicina Desportiva pela FMUP (2015). Integra ainda várias sociedades científicas, nomeadamente a Sociedade Portuguesa de Pediatria, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia Pediátrica, a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica e a European Respiratory Society. Participou em diversos projetos na área pediátrica e assinou mais de uma dezena de artigos publicados em revistas científicas.

Como investigador do CINTESIS, integra projetos de investigação relacionados com o desenvolvimento de novas ferramentas e soluções digitais para monitorização e autogestão de doenças respiratórias obstrutivas crónicas com base em smartphones e sensores integrados, designadamente o AIRDOC.

“As doenças respiratórias, quer agudas, quer crónicas, são a grande maioria das patologias das crianças. Em cada faixa etária assume uma preponderância maior uma doença aguda ou crónica e suas diferentes apresentações. Mas todas as crianças têm algum grau de atingimento respiratório com alguma regularidade. Têm tosse, alterações na auscultação… Depois, há as doenças crónicas, como a asma. Se tivermos ferramentas que podem ser usadas para capacitar os pais, na automonitorização e gestão da doença e, ao mesmo tempo, fazer a ponte, à distância, com o clínico, é fantástico”, afirma, com entusiasmo.

Aliás, é algo que já vai acontecendo na prática: “Os pais com bebés com bronquiolites ou vários episódios de pieira ficam muito ansiosos e mandam-me pelo WhatsApp os sons e os vídeos dos filhos a tossir e a respirar. Portanto, esta é uma coisa que já é feita, mas de forma não organizada, não automatizada. Os pais têm essa necessidade. Se eu tiver uma aplicação num telefone onde posso gravar a tosse do meu bebé e conseguir ter uma medida que indique se ele precisa de ser visto ou se podemos controlar ao domicílio, é um grande passo em frente na melhoria dos cuidados que prestamos. É o futuro”.

Com a pandemia e com as crianças confinadas em casa, estes dois últimos anos foram “anos em suspenso” em termos de investigação. Na clínica, diz, “felizmente, havia mais dúvidas dos pais do que crianças doentes. A partir de setembro de 2021, é percetível o aumento de doenças respiratórias e de COVID, nas crianças. Tem havido mais pressão. Daí a necessidade da vacinação. Aceito as dúvidas. É verdade que não temos um ano de utilização destas vacinas nas crianças a partir dos cinco anos de idade, mas sabemos o que é uma vacina de mRNA (que tem 30 anos de desenvolvimento) e sabemos que 99,9% das dúvidas que surgem nas redes sociais são infundadas. Os efeitos secundários são a curto prazo e os benefícios são muitíssimo superiores. Aliás, está à vista de todos. Portugal é dos países com maior taxa de vacinação, próxima dos 90%. Nós estamos no paraíso, relativamente a outros países”, conclui.

Ambição a 1 ano?

Este ano, quero retomar aquilo que esteve em suspenso no projeto AIRDOC, a nível da monitorização digital da tosse e da auscultação pulmonar em crianças. Vamos começar as primeiras reuniões para avançarmos com os estudos de utilização da aplicação no terreno, a nível multicêntrico, em colaboração com o CMIN, CHUSJ, entre outros hospitais nacionais.

Tenho também alguns estudos sobre internamentos em recém-nascidos, recorrendo à Big Data, que deverão ser publicados, entretanto. São estudos muito interessantes.

Ambição a 5 anos?

Espero que daqui a cinco anos tenhamos uma aplicação pronta a estar no mercado, para monitorização e autogestão de doenças respiratórias.

Que vida para além da investigação e da docência?

Sou pai de dois filhos, um de cinco anos e outro de dois anos. Passo a maior parte do tempo com eles, quando não estou a trabalhar. Recomecei a patinagem, mas em grupos. Ganhámos um Campeonato da Europa e um Mundial. Gostava de retomar, mas não tenho tempo. Compenso fazendo surf com o meu filho, na praia de Matosinhos. É uma das minhas paixões.