Margarida Reis Santos é investigadora integrada do Grupo NursID, do CINTESIS, no polo da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), onde está há 36 anos e desempenha funções como Professora Coordenadora. Aos 63 anos, sente-se feliz com a profissão que tem. O sorriso rasgado não a deixa mentir.
“É viciante. Os meus colegas costumavam dizer que eu era workaholic. Ainda sou, mas trabalhar até de madrugada é mais desgastante agora. Continuo a trabalhar aos fins de semana. Não consigo isolar o meu trabalho da minha vida pessoal. Há sempre quem precise de algo com uma pressa tremenda…”, ri-se.
Nasceu e viveu em Lisboa até aos sete anos, altura em que se mudou com a família para o Porto. Em criança, não tinha ideia do que queria ser profissionalmente. A Enfermagem aconteceu “por acaso”. Entrou no curso, na atual Escola Superior de Enfermagem de Santa Maria, concluindo-o em 1980. Ainda se aventurou na Psicologia, durante um ano, mas optou por ficar na Enfermagem.
Trabalhou como enfermeira no então Hospital de São João, primeiro na Urgência, depois do Departamento de Formação. Uma picada com uma agulha de um doente infetado com hepatite ditou a mudança de funções. Até que concorreu a uma vaga para docente na ESEP, em 1987. Só depois de ser professora, curiosamente, teve vaga para fazer a especialidade em Saúde Infantil e Pediátrica, em 1992.
Fez o mestrado e o doutoramento em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar e formação complementar em diferentes áreas, tais como o “Gerenciamento de recursos humanos em Enfermagem” e “Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação na Educação”, da Universidade de São Paulo.
Margarida Reis Santos fez parte do núcleo duro de nove professores da ESEP que integraram o CINTESIS, constituindo o NursID, um grupo de investigação direcionado para a investigação e inovação em Enfermagem. O balanço destes anos é muito positivo.
“Tenho tido muito apoio do CINTESIS. A hipótese de ter uma investigação multidisciplinar é muito interessante. Temos vários estudantes de doutoramento com bolsas, designadamente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) via CINTESIS”, sublinha.
Em sua opinião, “a investigação em Enfermagem é muito importante para haver uma prática que seja baseada na evidência credível. Temos de ir atualizando constantemente a investigação para que tenhamos um olhar que vá acompanhando o desenvolvimento da sociedade e do pensar a Enfermagem e a saúde”.
Enquanto investigadora, as suas principais áreas de interesse incluem a Saúde Infantil e Pediátrica, a Enfermagem de Família, a obesidade em crianças e adolescentes, a abordagem pré-hospitalar em vítimas de trauma, a intervenção do enfermeiro para reduzir a ansiedade e a medicação em contexto de pré-operatório em adolescentes, a atitude dos enfermeiros face à morte, o luto e as perceções de familiares (nomeadamente pais e filhos) de pessoas com cancro.
“Neste momento, tenho investigação em curso sobre crianças e adolescentes em que pelo menos um progenitor tem cancro. É importante que o enfermeiro tenha uma intervenção, até porque, muitas vezes, os pais estão à espera que isso aconteça, que o enfermeiro aborde a questão e os ajude”, diz.
Outros campos de investigação abrangem a Gestão e a Supervisão Clínica. O seu projeto mais marcante no CINTESIS foi, de resto, o projeto “Supervisão Clínica e Qualidade do Exercício Profissional: Formação, Gestão e Suporte”.
“Eu tenho tentado muito que, por via da supervisão clínica em Enfermagem, se consiga que a prática vá melhorando. A supervisão permite que haja enfermeiros, considerados peritos, que apoiam os enfermeiros ao nível da sua formação, do seu desenvolvimento pessoal e profissional, da integração no serviço, mas também ao nível emocional”, continua.
Como sublinha, “a Enfermagem é uma profissão de desgaste, nomeadamente em Urgência e Serviços de Oncologia. Como lidar com uma adolescente com cancro que ‘eu não quero morrer, eu ainda não vivi’? O que dizer a uma mãe ou a um pai que desabafam “se é para o meu filho sofrer assim, não vale a pena”? A supervisão pretende contribuir para a melhoria e para a qualidade dos cuidados, mas também para o apoio ao nível emocional para evitar situações de desgaste”.
Para a investigadora, é inegável que “a Enfermagem teve uma evolução imensa, a prática melhorou e a translação do conhecimento também melhorou, mas é preciso fazer mais, é preciso que o enfermeiro se afirme mais nas equipas de saúde. Precisamos de ter mais tempo para discutir como se pode melhorar, otimizar a prática baseada na melhor evidência”.
E foi precisamente com esse fito que, entre os dias 8 e 12 de maio, se realizou o evento NursID 2023 – Spring School, Margarida Reis Santos coordenou um dos Seminários temáticos, organizados pela relevância da educação, da formação e da investigação na área específica da Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica, mestrado que coordena.
“Incentivamos muito os nossos estudantes a apresentarem os resultados da sua investigação. Um enfermeiro, para cuidar de crianças, deve ter uma formação que não se limite à licenciatura. Todos os estudantes de Enfermagem durante o seu curso de licenciatura têm de ter formação em Pediatria, mas é o mestrado que lhes dá o título de especialistas em Saúde Infantil e Pediátrica. O foco do enfermeiro especialista deve estar nas crianças e famílias, saudáveis e doentes, com diferentes tipos de patologias, quer a sua intervenção seja em Cuidados de Saúde Primários, quer em Cuidados diferenciados, quer, inclusivamente, em Cuidados Paliativos. Um enfermeiro especialista deve ser o responsável pelos cuidados mais complexos. Um bom enfermeiro deve ter competências a nível do saber e do saber fazer”, declara.
O NursID 2023 reuniu, este ano 600 participantes, entre estudantes e investigadores CINTESIS/ESEP, mas também de outras instituições.
Ambição a 1 ano?
Gostaria de conseguir criar, no CINTESIS, um projeto de investigação em Saúde Infantil e Pediátrica. Queria poder sediar os estudos nessa área, realizados, inclusive, pelos nossos estudantes de mestrado, neste projeto, articular e dar visibilidade ao que o enfermeiro no terreno pode fazer para otimizar o cuidado prestado à criança/adolescente e família. Seria um projeto “umbrella”, que integraria pessoas interessadas e motivadas na melhoria dos cuidados de enfermagem pediátricos.
Ambição a 10 anos?
A 10 anos, estarei reformada, de certeza [risos]. Não quer dizer que não pense nisso, mas é um dilema, porque gosto muito do que faço. Não tenho pressa. Para já estou bem.
A nível profissional, enquanto sentir que posso dar um contributo para a profissão, gostaria de envolver-me em projetos e continuar na investigação. De facto, a investigação mantém uma pessoa viva!
Que vida para além da docência e da investigação?
Gosto de ler, de passear, de viajar, de ir ao cinema e a alguns espetáculos. Também gosto de encontros com amigos.