Chama-se Maria Henriqueta Figueiredo e foi considerada uma das “mulheres notáveis” do Serviço Nacional de Saúde”, nas celebrações dos 40 anos do SNS. É autora do Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar, uma espécie de “bíblia” para os enfermeiros de família. Alia a sua experiência clínica como enfermeira à paixão pela docência e pela investigação que desenvolve no CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde/Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), instituição de ensino onde é Professora Coordenadora. Como pessoa, é curiosa e irrequieta por natureza e está sempre pronta para aprender mais. Tem no filho a sua maior inspiração.
Mas regressemos ao início de tudo, às origens. Maria Henriqueta Figueiredo nasceu em 1964, no Cartaxo, distrito de Santarém. A pronúncia ribatejana não engana. Na escola, gostava de tudo. Optou pela Matemática, mas um ano depois matriculou-se na Escola de Enfermagem de Santarém. Conciliou ambos os cursos, até que a Enfermagem venceu. O estágio em Intervenção Comunitária foi determinante para a decisão.
Começou a trabalhar em 1988, ano em que, curiosamente, se deu a integração da Enfermagem no Ensino Superior Politécnico. Trabalhou como enfermeira de família durante 13 anos no Centro de Saúde de Torres Novas. “Foi a maior aprendizagem da minha vida. Aprendi o que é ser pessoa, aprendi a aceitar a diferença e aprendi que o mais importante é ser capaz de ouvir e de ajudar os outros nas tomadas de decisão. Eu estava perto nos momentos de felicidade, como o nascimento de um filho, mas também nos momentos de tristeza e sofrimento.”
Em 1998, concluiu o Curso de Estudos Superiores Especializados em Enfermagem na Comunidade, na Escola Superior de Enfermagem de Santarém, que lhe conferiu o grau de licenciada.
Em 1999, concorreu a dois cursos de mestrado, no Porto, um em Enfermagem e outro em Psicologia Social, pelo qual optou, tendo desenvolvido investigação sobre a representação das doenças e o seu efeito nas práticas familiares, com enfoque no papel do género e na questão do poder dentro da família.
“Como enfermeira, sempre considerei que, além da aprendizagem empírica, era essencial o desenvolvimento do conhecimento e tentava aplicar no contexto clínico. Queria ajudar de modo mais efetivo as famílias que eu conhecia tão bem e passar esse conhecimento aos colegas, contribuindo para os cuidados de saúde e para a transformação da imagem do enfermeiro, sobretudo porque, quando acabei o curso, a Enfermagem ainda não estava integrada no Ensino Superior. A representação que os outros profissionais tinham, muito mais do que os utentes, era a da submissão dos enfermeiros aos médicos, o que não fazia sentido”, recorda.
Em 2000, mudou-se de malas e bagagens para o Porto, depois de pedir transferência como enfermeira especialista em Enfermagem Comunitária. Passou pelos centros de saúde de Famalicão e Campanhã, onde conheceu o Bairro do Cerco, um bairro muito problemático à altura. “Foi uma experiência muito enriquecedora”, considera, em retrospetiva.
Em 2001, integra a carreira de docente do ensino superior em tempo integral, na Escola Superior de Enfermagem Cidade do Porto, que viria a fundir-se na atual Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP), com especial enfoque na área da Saúde Familiar. “Não considerei uma rotura, mas uma continuidade. Estive muito tempo no contexto clínico”, justifica.
Doutorou-se em 2010 pela Universidade do Porto. “Verifiquei que existia uma discrepância muito grande entre aquilo que os enfermeiros achavam importante sobre os cuidados às famílias, o que diziam que faziam e o que registavam. Foi então que emergiu o (seu) Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar, que viria a fazer parte dos conteúdos dos cursos de licenciatura e mestrado em Enfermagem e dos cursos de pós-graduação de Enfermagem em Saúde Familiar. Em 2011, este Modelo foi adotado pela Ordem dos Enfermeiros, como referencial teórico e operativo em Enfermagem de Saúde Familiar. Entretanto, já se internacionalizou, constando das recomendações da IFNA – Associação Internacional de Enfermagem de Família.
O seu objetivo era claro: “Queria que o Modelo Dinâmico fizesse sentido para os enfermeiros e que fosse útil para a sua prática e para os seus clientes, que são as famílias e os indivíduos. A apropriação do Modelo por parte dos enfermeiros é efetiva. Eles próprios são formadores sobre o Modelo. Isso deixa-me muito orgulhosa! O conhecimento só faz sentido quando é apropriado por quem o vai utilizar”.
Maria Henriqueta Figueiredo viria a integrar o grupo de apoio à Mesa do Colégio da Especialidade de Enfermagem Comunitária, como perita em Enfermagem de Saúde Familiar e coordenadora do grupo de trabalho responsável pela proposta de perfil de competências específicas dos enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Familiar, Programa Formativo e padrões de qualidade da especialidade. Foi também representante de Portugal no Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) na área de Saúde Familiar.
Fez parte o grupo inicial da ESEP que aderiu ao CINTESIS, com o objetivo de “potencializar recursos humanos como investigadores, pela partilha, pela aprendizagem e pelas novas visões”. Na altura, a integração “provocou uma mudança que nos permitiu ir para além da nossa visão enquanto investigadores apenas da ESEP, mais fechados e mais monodisciplinares. Tenho promovido que os investigadores do projeto sejam investigadores integrados do CINTESIS. Fico muito orgulhosa com isso e sei que eles também se sentem orgulhosos por pertencerem a um centro que reconhece os enfermeiros como pares. Este reconhecimento motiva-nos a continuar. O CINTESIS faz parte da nossa vida”.
Como investigadora integrada do grupo NursID, do CINTESIS/ESEP, lidera o projeto “MDAIF: Uma ação transformativa em Cuidados de saúde Primários”, que visa o desenvolvimento de novos saberes e de novas práticas em Enfermagem de Saúde Familiar. No total, são mais de 80 investigadores, grande parte dos quais do CINTESIS. Entre as muitas linhas de estudo estão, por exemplo, o impacto da utilização do MDAIF, como referencial da tomada de decisão dos enfermeiros, nos ganhos em saúde para as famílias, os fatores que interferem na transferibilidade do conhecimento para a prática, o perfil epidemiológico das famílias monoparentais, a dotação segura de enfermeiros de família, a literacia familiar e a espiritualidade.
É presidente da Sociedade Portuguesa de Enfermagem de Saúde Familiar, de que foi fundadora, em 2016, e que conta com mais de 100 sócios, dois congressos realizados e um conjunto de parcerias firmadas. “O objetivo é otimizar as respostas às famílias. A SPESF encontra-se disponível para colaborar com a Ordem dos Enfermeiros e com o Ministério da Saúde, nos novos desafios para a Enfermagem de Saúde Familiar
A par da investigação que desenvolve no CINTESIS e da docência na ESEP, Maria Henriqueta Figueiredo não para. Em 2018, fez o pós-doutoramento em Enfermagem, na Universidade de Rovira i Virgili, em Tarragona, Espanha, com a qual tem colaborado. É terapeuta familiar creditada pela Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar. Tem o “practitioner” em Programação Neurolinguística, certificação internacional em Coaching e pós-graduação em Hipnose e Outros Estados Alterados de Consciência na Clínica. Fez pós-graduação em Terapia de Casal e em Sexologia Clínica. Atualmente está a fazer pós-graduação em Psicoterapias Cognitivo-Comportamentais. No futuro, gostava de fazer formação em Direito da Família.
Colabora com outras instituições de ensino superior de todo o país e faz formação a enfermeiros nos seus contextos organizacionais . É autora do livro “Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar: Uma abordagem colaborativa em Enfermagem de Família”, publicado em 2012 pela Lusociência, e tem perto de 200 trabalhos publicados.
Em 2019, foi homenageada como uma das 40 mulheres notáveis dos 40 anos do Serviço Nacional de Saúde (SNS), numa cerimónia organizada pela Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar – APDH, com o patrocínio do Presidente da República.
“Sinto-me orgulhosa pela perseverança, por não ter desistido, porque este caminho não foi sempre facilitado, teve alguns constrangimentos. Por outro lado, isto só foi possível por todos os que consideraram que a Enfermagem Familiar era importante para o desenvolvimento dos cuidados de saúde, e que o Modelo Dinâmico era útil, quer na construção de novo conhecimento em Enfermagem, quer como referencial para a tomada de decisão clinica dos enfermeiros. Agradeço a todos a honra e o privilégio”, conclui.
Objetivo a 1 ano?
Enquanto investigadora responsável, tenho estado muito focada no desenvolvimento e na afirmação do projeto de investigação, sobretudo com a promoção de estudos e de publicações. Agora, é chegada a hora de avançar para propostas de financiamento. Esse é o meu objetivo para 2020. Há muitos investigadores profundamente motivados, mas, se tivermos financiamento, poderemos fazer mais, com maior compromisso e mais resultados. Crescemos tanto que temos de ver não apenas o todo, mas também as partes, e perceber quais os estudos que têm mais condições de avançar.
Este ano será também crucial para a consolidação da Enfermagem de Saúde Familiar, quer pelo processo em curso de certificação das competências individuais para atribuição do título de especialistas, quer pela abertura de novos cursos em instituições de ensino superior.
Objetivo a 10 anos?
Quero poder continuar a contribuir para a consolidação da Enfermagem de Saúde Familiar, manter a minha perseverança e a curiosidade científica. Espero que seja alterada a legislação e que a Enfermagem seja integrada no Ensino Universitário. A Enfermagem já deu provas de que o seu lugar é no Ensino Universitário!
Espero sentir-me tão orgulhosa da ESEP como me sinto atualmente.
Que vida para além da docência e da investigação?
Ouço música mesmo quando estou a trabalhar, sobretudo música eletrónica, trance, como David Guetta, Armin Van Buuren e Paul Van Dky, que associa a previsibilidade, a homogeneidade e a harmonia. Também gosto de música minimalista, de Win Mertens. Gosto de Art Pop e de Lady Gaga. Leio muitos livros técnicos e as teses dos alunos (risos). Gosto muito de poesia porque é metafórica. Gosto de Herberto Hélder, Al Berto, António Ramos Rosa, Eugénio de Andrade, Maria Teresa Horta, entre muitos outros. Se tivesse mais tempo, gostava de ir mais ao cinema. O filme que mais gostei de ver nos últimos anos foi “Green Book”. Se pudesse, também via mais séries. Gostei muito de “Handmaid’s Tale” e da Guerra dos Tronos.
Além da família, tenho uma grande rede de amigos e quero mantê-la porque me sinto muito privilegiada. É isso que dá significado à vida!