Marta Silvestre é investigadora integrada do CINTESIS na área da nutrição e metabolismo, no polo da NOVA Medical School, onde é atualmente Professora Auxiliar convidada.
Nasceu em Sintra, em 1983. Aos 14 anos, começou a interessar-se por questões alimentares e aos 16 anos decidiu que queria ser nutricionista. Na altura, não havia muitos cursos de Ciências da Nutrição em Portugal. Para concretizar o seu sonho, teria de mudar-se para o Porto. Era nova, iria estar muito tempo longe da família. Pensou em tentar Medicina e posteriormente especializar-se em Endocrinologia.
“Candidatei-me a Medicina na Força Aérea, por uma questão de média de ensino secundário, e fui fazer os três primeiros meses de recruta em Sintra. Odiei. Foi extremamente agressivo. Aprendi a disparar uma G3. Era péssima. Sou uma pessoa muito liberal e detestei o conceito de ausência total de liberdade, mas sou muito persistente e resolvi acabar a recruta, até porque tinha sido uma sugestão do meu pai, que é uma pessoa muito importante para mim”, sublinha.
Enquanto isso, concluiu o primeiro ano de Enfermagem (2001-2002), curso que acabaria por abandonar. “Fiquei muito impressionada com algumas coisas, quando fiz trabalho de campo e domicílios. Percebi que não poderia ser enfermeira nem provavelmente médica”, confessa.
Em 2002, ingressou na Faculdade de Ciências de Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP). Rapidamente, na praxe, fez grandes amigas, com quem passou a dividir casa. Adorou o curso desde o primeiro ano. Foi lá que conheceu Conceição Calhau, atual líder da Linha temática 1 – Medicina Preventiva & Desafios Societais do CINTESIS. Terminou o curso em 2007 (pré-Bolonha). Após estágio na indústria alimentar, que não a “prendeu”, começou a dar consultas de Nutrição numa clínica médica. Mas ainda não estava feliz.
“A maioria das pessoas tinha apenas um interesse estético em conseguir perda de peso e essa abordagem não me cativava. Comecei a interessar-me mais por casos em que a nutrição era importante na prevenção e tratamento de doenças, nomeadamente, a diabetes tipo 2 e outras condições metabólicas associadas à obesidade. No entanto, muitas vezes não me sentia devidamente preparada para abordar a complexidade das condições clínicas; achava que devia ter uma intervenção mais personalizada e não sabia se estava a ir pelo caminho certo. Decidi ir aprender mais”, recorda.
A sua ideia era fazer um mestrado na área do Metabolismo, mas propuseram-lhe logo um doutoramento. No projeto de doutoramento, decidiu estudar a resistência à insulina e diabetes tipo 2 associada à obesidade, tendo enviado cartas motivacionais literalmente para o mundo inteiro. Esteve quase a ir para o Instituto Karolinska, na Suécia, e para Yale, nos Estados Unidos. Até que, em 2009, recebeu uma proposta de Londres, Inglaterra, onde viria a morar e estudar durante quatro anos, como bolseira da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT).
Quando concluiu o doutoramento em Ciências Biomédicas pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa/Queen Mary University of London, em 2014, procurou uma posição de Pós-doc num projeto de investigação internacional de Nutrição Clínica. Foi-lhe feita uma proposta da Universidade de Auckland, na Nova Zelândia, a 33 horas de voo de distância. Acompanhada pelo marido na aventura, aceitou integrar o grupo de trabalho internacional e liderar o braço neozelandês do projeto PREvention of Diabetes through Lifestyle Interventions in Europe and Worldwide (PREVIEW), que envolveu 13 instituições de oito países (Dinamarca, Finlândia, Holanda, Espanha, Bulgária, Reino Unidos, Austrália e Nova Zelândia). A investigação teve financiamento maioritário dos fundos da União Europeia.
“A adaptação à Nova Zelândia foi fabulosa. É um país com imensa qualidade de vida. Começávamos a trabalhar cedo, às 7h00, mas às 16h00 já tinha terminado. Os neozelandeses são muito relaxados e bastante inclusivos”, lembra.
O objetivo do projeto era perceber o efeito de diferentes intervenções de estilos de vida na incidência de diabetes numa população de risco, em que todos os participantes tinham excesso de peso ou obesidade e pré-diabetes. “Participaram 1.224 pessoas. A perspetiva era que, em três anos, a incidência de diabetes mellitus naquela população seria de 15%. Só 3,9% desenvolveram a doença naquele período, independentemente do tipo de intervenção, mostrando que o importante é haver acompanhamento contínuo para a mudança comportamental e de estilos de vida”, frisou.
Era para ter ficado apenas dois anos na Nova Zelândia, mas ficou mais do dobro. De bolseira passou a investigadora e professora da Universidade de Auckland. Já com um filho, nascido na Nova Zelândia, decidiu regressar a Portugal, em 2018, pela mão de Conceição Calhau, integrando o CINTESIS. Continua a colaborar com os neozelandeses, à distância, mas não pensa em voltar.
Autora de dezenas de publicações em revistas científicas internacionais, já recebeu vários prémios científicos. É ainda membro da Sociedade Portuguesa de Diabetologia (SPD) e sócia fundadora da Sociedade Portuguesa de Nutrição Clínica e Metabolismo.
Ambição a 1 ano?
Vamos iniciar um novo projeto, em colaboração com a Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal (APDP), com o objetivo de perceber a relação entre os ácidos biliares secundários (metabolitos da microbiota intestinal, produzidos no intestino e parcialmente reabsorvidos pela circulação) e as complicações microvasculares na diabetes, através de análise metabolómica e sequenciação de microbiota.
Sabe-se que o fator principal para as complicações é a hiperglicemia, mas queremos ver outros mecanismos sobre os quais possamos atuar. Os ácidos biliares são fortes candidatos.
Ambição a 10 anos?
Pretendo continuar a fazer investigação na doença metabólica analisando múltiplas variáveis, com acesso a metodologias inovadoras e integrativas como a metabolómica, a microbiota e a genómica. Há muitas perguntas por responder.
Vou também continuar a publicar os resultados das subanálises do PREVIEW ainda em curso, quer de dados epidemiológicos, quer de prática clínica.
Estamos a candidatar-nos a financiamento europeu para um projeto internacional que será liderado pelo CINTESIS e NOVA Medical School, em colaboração com outros países, mas o objetivo de estudo ainda é confidencial.
Que vida para além da investigação?
Eu gosto de andar de skate. Comecei aos 36 anos. Foi o meu sobrinho que me ensinou. Adorei. É o hobby que dá mais prazer.
Gosto de fazer atividade física, gosto muito de cinema e de ler novels sobre relações entre pessoas, mas não tenho muito tempo para nenhuma destas atividades. E brinco imenso com o meu filho. Eu já não gosto muito, mas ele gosta, e isso é que é importante.