O tipo de bactérias presente no mecónio de recém-nascidos poderá ser determinado essencialmente dentro do útero, independentemente do tipo de parto.
A hipótese da colonização bacteriana intrauterina é fortalecida por um novo estudo coordenado por Conceição Calhau, do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e NOVA Medical School da Universidade NOVA de Lisboa, e por Teresa Tomé, da Maternidade Dr. Alfredo da Costa.
“Acreditamos que, durante a gestação, o feto seja exposto a bactérias e metabolitos provenientes do intestino e da vagina da grávida, influenciando o microbiota do mecónio do recém-nascido”, afirmam os autores do trabalho, publicado no jornal científico Gut Microbes.
Os investigadores realizaram um estudo observacional e longitudinal com o objetivo de “determinar a relação entre o microbiota intestinal da mãe e o mecónio de bebés prematuros”. O mecónio, que á a primeira matéria fecal eliminada após o nascimento, constitui “uma fonte de informação muito útil, pois reflete o ambiente microbiano dentro do útero”.
Para a realização deste trabalho, foram extraídas e analisadas amostras de ADN de bactérias do mecónio de cerca de uma centena de recém-nascidos, quer prematuros extremos (nascidos antes das 28 semanas de gestação), quer muito prematuros (nascidos entre as 28 e as 32 semanas de gestação).
Os resultados indicam que “o mecónio dos recém-nascidos muito prematuros tem uma maior correlação com o microbiota materno”. Contudo, “o microbiota do mecónio dos prematuros extremos tem mais Lactobacillus, o principal género encontrado no microbiota vaginal, independentemente do tipo de parto”.
De modo geral, “estes dados permitem sustentar que as bactérias maternas, quer do intestino, quer da vagina, têm um papel na modulação do microbiota dos bebés e que a transmissão materno-fetal de bactérias é um processo controlado e específico no tempo”.
Conforme os cientistas sublinham, o tipo de bactérias presentes no trato gastrointestinal dos recém-nascidos pode influenciar significativamente o desenvolvimento do sistema imune e, portanto, ter consequências importantes em termos de saúde. Nos prematuros, esta questão é particularmente relevante, tendo em conta a sua imaturidade e vulnerabilidade.
Embora se saiba que o microbiota da mãe pode influenciar a composição das bactérias que vivem no intestino dos recém-nascidos, os mecanismos fisiológicos e moleculares dessa transmissão vertical (de mãe para filho) não são ainda completamente conhecidos, sendo necessário aprofundar os estudos nesta área.
“É importante perceber como este fenómeno acontece para otimizar a saúde das grávidas. Compreender o papel do ambiente intrauterino no microbiota fetal é essencial para o estabelecimento de intervenções clínicas, tais como a alimentação materna, a exposição a antibióticos, probióticos e pré-bióticos ou mesmo o transplante fecal”, avisam.
Coordenada por Conceição Calhau, a equipa integra investigadores do CINTESIS/NOVA Medical School, nomeadamente Juliana Morais e Cláudia Marques, e ainda outros investigadores da NOVA Medical School, como Diana Teixeira, Catarina Durão e Ana Faria, às quais se juntam Manuela Cardoso, Sara Brito, Israel Macedo e Teresa Tomé, do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central/Maternidade Dr. Alfredo da Costa.
A realização do estudo decorre de uma bolsa da MILUPA atribuída pela Sociedade Portuguesa Neonatologia em 2017 e financiada pelo Programa Operacional Competitividade e Internacionalização – COMPETE 2020 e Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), no âmbito do CINTESIS.