Procura estar sempre à frente do seu tempo. Luta para inovar na área do cancro, a doença que lhe roubou o avô. É apaixonado pela investigação, mas não vive sem dar aulas. Gosta de trabalhar em equipa e de ser um elemento agregador. Chama-se Nuno Vale e lidera o grupo de investigação OncoPharma, que o próprio criou e tem feito crescer, no CINTESIS- Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde.

Nasceu no primeiro dia de 1980, em Vila do Conde, onde viveu e estudou até à entrada para a Universidade. Fez licenciatura em Química – Ramo Científico (a sua segunda opção) na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP), tendo-se especializado nas áreas de química farmacêutica e peptídica, mas também em farmacologia molecular e metabolismo de fármacos. Começou a dar aulas Química Farmacêutica, como monitor, no último ano do curso.

Tinha acabado de fazer a licenciatura quando perdeu o avô devido a um cancro do pulmão, em apenas 22 dias viu-o partir. “Era alguém muito próximo de mim. Achava injusto perder o meu avô daquela forma. Foi muito marcante. Pus-me logo esse desafio de trabalhar na área da Saúde e, em particular, em Oncologia”, recorda-se.

Candidatou-se a uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) e, enquanto aguardava o resultado, trabalhou nos Laboratórios BIAL, no Porto, onde participou em projetos de desenvolvimento farmacêutico para apoio aos ensaios clínicos (Fases I e II), nomeadamente na área do sistema nervoso central e da epilepsia.

“Queria muito conhecer a BIAL. Era um sonho. Naquela altura, ninguém o tinha conseguido a partir de Ciências. Fiquei com uma boa relação com a empresa e na forma como devemos criar pontes entre a academia e a indústria farmacêutica. No entanto, sempre gostei muito de dar aulas, de formar alunos, de os acompanhar na pós-graduação” realça.

Em 4 de dezembro de 2008, concluiu o seu doutoramento, na área da malária, também na FCUP, em parceria com a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, onde fez o último ano. No dia seguinte, voou, literalmente, para a Faculdade de Farmácia da Universidade de Helsínquia, através de um estágio financiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela instituição de ensino finlandesa, para trabalhar em farmacocinética.

Fez pós-doutoramento ao longo de cinco anos, com nova bolsa da FCT, na FCUP, onde exerceu também funções como Professor Auxiliar Convidado. Foi cientista convidado em vários centros europeus de referência, designadamente em Helsínquia, Uppsala, Oslo, Copenhaga, Antuérpia e Utrecht.

Em 2016, acedeu ao convite para integrar a Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, onde foi pioneiro na introdução de estudos “In silico” para o desenvolvimento pré-clínico e clínico de medicamentos.

No final de 2019, começou a criar um grupo de investigação pioneiro no CINTESIS, o OncoPharma, na área do cancro, em que investiga há mais de uma década.

“Nos últimos anos, foi, sem dúvida, o maior passo que consegui dar. Não tive qualquer dificuldade em mudar. Dificilmente conseguiria esta abrangência e o trabalho em rede noutro local.  Estamos com uma dinâmica interessante, que vai aumentar com o Laboratório Associado RISE”, diz.

Lidera uma equipa com mais de uma dezena de investigadores que trabalham em três tipos de laboratórios: um laboratório húmido, onde decorre a investigação sobretudo em nanopartículas e “drug delivery”; um laboratório celular, em colaboração com a Unidade de Anatomia da FMUP; e um “laboratório seco” para estudos “in silico”.

A investigação de ponta do OncoPharma desenvolve-se em três áreas muito específicas. Um dos pilares é o “Reaproveitamento de Fármacos”, através da utilização de nanopartículas para a entrega de fármacos de forma personalizada, a utilização de aminoácidos e péptidos e as combinações de fármacos, que podem ter um efeito aditivo ou sinérgico, no tratamento do cancro.

Outro dos pilares é o dos estudos “in silico” para desenvolvimento pré-clínico e clínico de medicamentos. Utilizados quer na investigação, quer no ensino, estes estudos permitem complementar e acelerar os resultados, bem como reduzir a utilização de animais. Numa vertente clínica, este tipo de estudos envolve a utilização de dados farmacológicos (Farmacocinética e Farmacodinâmica) e de dados fisiológicos de doentes ou grupos de doentes, através de um software específico, usado já pela Food and Drug Administration (FDA).

“Através de uma simulação, pode-se comprovar dados obtidos em estudos clínicos ou prever resultados de estudos a realizar, mas também avaliar, por exemplo, quais são as melhores doses e vias de administração de fármacos, possibilitando um reajustamento das doses, a seleção de doentes e personalização da terapêutica”, exemplifica.

O terceiro pilar deste grupo de investigação do CINTESIS é a utilização de biomarcadores de origem molecular no seguimento de doentes com cancro.  “Utilizamos pequenas moléculas, algumas das quais são neurotransmissores, que estão associadas à resistência de células tumorais aos fármacos ou ao crescimento dessas células. O objetivo é controlar a via de síntese desses biomarcadores e usar fármacos mais precisos. As células tumorais são muito inteligentes e uma parte dessa característica envolve a produção interna de pequenas moléculas que servem de escudo para o sem desenvolvimento”, explica.

Nuno Vale é autor de mais de uma centena de publicações em revistas científicas de referência a nível internacional e foi editor do livro “Biomedical Chemistry: Current Trends and Developments”, mas também editou vários números especiais com temas de aplicação biomédica e clínica, com combinação de fármacos, com estudos “in silico” e, ainda a decorrer, medicina de precisão para oncologia. Atualmente, é também professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde leciona vários cursos. É ainda coordenador da Cátedra Convidada de “Inovação em Oncologia” da FMUP, financiada pela FCT e pela Janssen.

Ambição a 1 ano

Gosto muito de planear, de programar, e estou mesmo muito entusiasmado por estar inserido no CINTESIS. Se estivesse noutro Centro, eventualmente, não teria tanta ambição para o futuro.

No imediato, a um ano, queria que os principais projetos associados à Cátedra Convidada na área da “Inovação em Oncologia” estivessem em andamento. O principal é o programa “Acelerar tratamentos em Oncologia”, na área clínica, que deverá ser agregador e envolver outras unidades de saúde.

Este será o culminar de um longo processo, um contributo para a comunidade. Não é a cura do cancro, mas é uma forma de não desistir, de inovar. Já sabemos muito, mas ainda há muito a aprender. Podemos aproveitar muito do que já se faz, e bem, mas otimizando processos e criando sinergias entre equipas para uma melhor tomada de decisão, com menos custos e melhor seleção dos pacientes para estudos clínicos.

Ambição a 10 anos

Gostaria muito de continuar a ensinar e de contribuir para a inovação em saúde, dentro da Faculdade de Medicina, tendo como motores ou porta-aviões a Inovação em Oncologia e a Saúde Digital e Medicina de Translação.

Que vida para além da investigação?

Sou casado e tenho dois filhos, o Guilherme, com 10 anos, e o Dinis, com 9 anos. Estou numa fase exigente. Sou muito próximo deles, procuro estar muito presente não só no percurso escolar como na prática do Ténis, com vários treinos por semana e torneios. Sou também vice-presidente da Associação de Pais do Colégio Luso-Francês e também aí estou envolvido na organização de torneios de ténis no Colégio na modalidade pares-família. Também jogo futebol com eles, fruto de uma paixão antiga, onde cheguei a organizar e participar em torneios de futsal. Só parei quando tive uma rutura completa do tendão de Aquiles, no início do doutoramento. Gosto de bricolage. Sempre que posso vou para o jardim ou para um pequeno quintal que tenho. Esta ligação à natureza é, para mim, muito importante e reconfortante.