Rute Sampaio é uma das mais recentes investigadoras do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, tendo ingressado em 2020, em plena pandemia de COVID-19. Este ano, recebeu o Prémio Grünenthal DOR, na categoria de Investigação Clínica.

“Foi um reconhecimento, um estímulo importante, mas não me deixo deslumbrar. Sozinha não sou ninguém. Sempre valorizei o trabalho multidisciplinar, com médicos, enfermeiros, farmacêuticos e outros profissionais”, reage.

Define-se como uma pessoa “transparente e direta, às vezes demasiado direta”. É apaixonada pelo que faz e uma cuidadora nata. Nasceu em Massarelos, no Porto, onde estudou. “Quando era pequena, queria ser guia turística por causa das línguas, das viagens e da História. Também adorava viajar e falar com pessoas idosas. Era apaixonada pelas suas histórias de vida. Tinha uma certeza: não queria ser médica porque sempre tive muita sensibilidade aos cheiros, mas queria ajudar toda a gente”, recorda.

Licenciou-se em Psicologia na Universidade do Minho, em 2001. Abraçou a Psicologia da Saúde, pela mão de Teresa McIntyre, sua orientadora e precursora nesta área. Estagiou, com João Carlos Winck, na Pneumologia do atual Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ), onde trabalhou cerca de uma década, orientando estágios e participando em vários projetos, nomeadamente em telemedicina, cuidados paliativos, educação para a saúde e adesão terapêutica. É o caso de uma intervenção que implementou para promoção da adesão terapêutica dos doentes com síndrome de apneia obstrutiva do sono ao CPAP. Trabalhou em vários contextos clínicos, dando consultas, como psicóloga, em diferentes cidades do Norte do país.

Doutorou-se na Universidade do Minho, na área da Psicologia da Saúde, em 2013. Nessa altura, teve oportunidade de ir para outro país, mas, com a filha pequena (agora com 15 anos), recusou. Trabalhou numa IPSS com famílias carenciadas, durante 9 meses, num “parto muito difícil”, mas no qual diz ter aprendido muito. Deu aulas no curso de Medicina na Universidade do Minho e em cursos de Enfermagem, designadamente em Oliveira de Azeméis, entre outras instituições.

Em 2014, passou a ser investigadora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde também dá aulas. Tem como principal área de interesse de investigação o desenvolvimento de intervenções em saúde para aplicação em pessoas com doenças crónicas e, muito particularmente, com dor crónica.

Em 2017, fez pós-graduação na Universidade de Bangor, no King’s College e, em 2018, no Tavistock and Portman NHS Foundation Trust, no Reino Unido.

Em 2020, deixou o i3S e ingressou como investigadora integrada no CINTESIS, onde continua a investigar, sobretudo na área da dor crónica e da adesão terapêutica. “Sinto-me ainda com mais sentido de pertença, sinto que pertenço à casa e sinto-me com ainda mais responsabilidade”, diz.

E foi já como investigadora do CINTESIS que venceu o o Prémio Grünenthal DOR, na categoria de Investigação Clínica, com um estudo inédito que analisou a não adesão ao tratamento por parte de doentes com dor crónica, área em que tem vários projetos em curso.

De acordo com este estudo, a não adesão à terapêutica é comum nos doentes com dor crónica. Apenas uma semana após o início do tratamento, 37% dos doentes já não tomavam os medicamentos prescritos. Ao fim de um ano, essa percentagem atingia os 51%”.

Os resultados deste trabalho, publicado no Patient Preference and Adherence, contrariam a ideia de que a falta de adesão à medicação ocorre apenas quando a doença não dá sintomas ou que se deve principalmente a esquecimento dos doentes. As razões para a não adesão à terapêutica na dor crónica incluem a perceção e receio de efeitos secundários ou colaterais, a perceção de falta de eficácia, a ideia de que os medicamentos não são necessários, o aparecimento de um novo problema de saúde ou mesmo constrangimentos financeiros.

“Os profissionais de saúde pensam que os seus doentes aderem ao tratamento, mas é uma fantasia. Na realidade, não é isso que acontece. Há um conjunto de fatores que ocorrem durante o processo de adesão terapêutica, desde a iniciação até à persistência num tratamento, e o esquecimento, no caso da dor crónica, nem é referido. Gastam-se milhões de euros em apps que só servem para lembrar os doentes e que não servem para mais nada. Gastam-se milhões em novos fármacos e depois só 50% dos doentes os tomam! Não sou contra a tecnologia, muito pelo contrário, mas é preciso ir mais além. Há um longo trabalho a fazer nesta área”, sublinha.

Rute Sampaio é ainda autora de artigos em jornais científicos de referência, bem como de capítulos de livros e livros, com destaque para a obra intitulada “Para embalar adultos que dormem como ventilador”, em coautoria com Marta Drummond, publicada pela editoria LIDEL.

Ambição a 1 ano?

Estou já a trabalhar num projeto no qual estamos a analisar as variáveis da intencionalidade da adesão à terapêutica, em conjunto com o King’s College.

A um ano, quero avançar com o projeto que envolve doentes com mais de 65 anos com fragilidade e dor crónica não maligna, maioritariamente musculosquelética, de uma Unidade de Dor em Portugal, com uma abordagem assente no “gestor de caso”, uma figura que ainda não existe em Portugal. O projeto, em parceria com o Porto4Ageing e investigadores da Universidade Cattolica del Sacro Cuore, de Itália, financiado pela Pfizer, foi interrompido com a pandemia de COVID-19 e agora é preciso que entre em velocidade de cruzeiro.

Também quero avançar com o desenvolvimento do projeto para a criação da Linha de Apoio ao Doente com Dor (LADD), que ganhou, este ano, um Prémio no Yes Meeting – Young European Scientist. Numa fase seguinte, o objetivo é articular com especialistas na área da Inteligência Artificial. Já concorremos a financiamento, mas ainda não conseguimos. Acredito que esta Linha retiraria algum peso ao Serviço Nacional de Saúde. Existe alguma resposta, mas não está sistematizada e é dada com muito esforço e até carolice da parte dos profissionais.

Ambição a 10 anos?

Estarei a participar num grande projeto europeu, o BEAMER – BEhavioral and Adherence Model for improving quality, health outcomes and cost-Effectiveness of healthcaRE, para criação de um modelo único de adesão terapêutica. Quero continuar com os meus alunos, que têm sempre muitas ideias interessantes para novos projetos. Também gostava de continuar a dar aulas de adesão terapêutica.

Que vida para além da investigação?

Nos tempos livres, tento cuidar da família. Sou mesmo muito cuidadora. Este último ano foi muito complicado, em termos pessoais, e tive de estar presente em momentos difíceis. Estou sempre disponível e não consigo dizer que não porque não fico bem comigo mesma. Também tento cuidar de mim. Faço muitas caminhadas com o meu marido e com o meu cão. Caminhamos quilómetros a conversar. Faz-me muito bem.