Sara Guerra foi um dos rostos do CINTESIS/Universidade de Aveiro no MOAI LABS, um laboratório transnacional, financiado pelo FEDER (Interreg Sudoe) e liderado pela Fundación INTRAS, que juntou nove parceiros de três países europeus (Portugal, Espanha e França) e resultou na criação de uma plataforma digital inovadora que pretende minimizar a solidão e o isolamento social dos adultos mais velhos.
Como investigadora integrada do grupo AgeingC, tem dado a cara por muitos outros projetos em áreas aparentemente tão distintas como as intervenções psicoeducativas na demência, os animais robóticos, o transtorno da acumulação de animais, a solidão na velhice e questões desenvolvimentais (como, por exemplo, a generatividade) em adultos LGBTQI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgénero, Queer ou Intersexo) mais velhos. De todos fala com entusiasmo.
Nascida em Aveiro, onde viveu e estudou, Sara Guerra sonhava ser cantora ou professora quando era criança. “Lembro-me de, aos 11 anos, dar aulas ao meu irmão quatro mais novo e às minhas primas”, diz. Quis fazer o ensino superior na sua cidade natal e, como ainda não havia o curso de Psicologia, candidatou-se a Terapia da Fala na Universidade de Aveiro, mas foi colocada em Gerontologia, tendo feito a licenciatura entre 2003 e 2008 (pré-Bolonha).
“Tinha medo que fosse uma área com intervenção muito direta com os mais velhos e não era esse o meu objetivo, na altura, mas fiquei muito surpreendida logo no primeiro ano e nunca me arrependi da minha escolha”, afirma.
Depois da licenciatura, ganhou uma bolsa de doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) para quatro anos, tendo obtido, em 2012, o grau de doutora em Gerontologia e Geriatria pela Universidade de Aveiro/ICBAS (Universidade do Porto) com um programa de apoio integrado a pessoas com demência e seus cuidadores familiares.
“O ProFamílias-demência, projeto que desenvolvi no âmbito do meu doutoramento, contou com mais de 10 edições e foi replicado em vários centros e extensões de saúde. É bom saber que foi usado, que fez sentido e que ajudou várias pessoas”, declara. Os artigos científicos foram publicados no Dementia (“Evaluating profamilies-dementia” e “Profamilies-dementia: A programme for elderly people with dementia and their families”).
Em 2013, voltou-se para o empreendedorismo, com o desenvolvimento de um projeto de negócios na área da inovação social – “LOCALCare”, no âmbito de um programa promovido pela Santa Casa de Misericórdia de Lisboa (BIS – Banco de Inovação Social), com financiamento do IAPMEI. A seguir, foi para o terreno e trabalhou em duas instituições: numa estrutura residencial para pessoas idosas (ERPI) e numa Organização Não Governamental, a Cruz Vermelha Portuguesa, em Aveiro, fazendo intervenção junto de pessoas com demência e seus familiares (psicoeducação).
Deu aulas na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra (FMUC), entre 2013 e 2014, na Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro, na Escola Superior de Educação de Coimbra (ESEC) e na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, onde foi professora adjunta convidada, entre 2017 e 2018, precisamente na altura da sua primeira gravidez; e, mais recentemente, na Escola Superior de Educação de Viseu (ESEV). Fez pós-doutoramento em 2017, na UA, com o projeto “legado biológico em famílias com história de doença genética neurodegenerativa”.
Foi há cerca de cinco anos que entrou oficialmente para o CINTESIS, no polo da Universidade de Aveiro. “Integrar o CINTESIS tem-me permitido estar em contacto permanente com investigadores que, na minha área, são uma referência e que têm um conhecimento atualizado, baseado na evidência, e uma rede muito relevante que me permitiu envolver-me em projetos internacionais e colaborar com outras equipas, o que é sempre uma lufada de ar fresco”, comenta.
Segundo Sara Guerra, “no grupo AgeingC fazemos reuniões com frequência e todos os elementos da equipa, no polo da UA, têm oportunidade de partilhar os seus interesses de investigação e os projetos em que estão envolvidos. Podemos criar sinergias”. Como investigadora, tem várias áreas de interesse, como o transtorno da acumulação de animais (também conhecido como “síndrome de Noé”), sobretudo nas pessoas mais velhas, tendo publicado, em 2020, no Journal of Mental Health, um estudo que tem sido muito noticiado pelos média. “Apercebemo-nos de que os serviços não estão integrados e que não há articulação nem comunicação entre os profissionais”, refere.
Participou em diferentes projetos, como o “Elderly Assessment System: EASY-Care Research”, lançou o “Cherry Pick Podcast” durante a pandemia (2020) e foi membro da equipa de avaliação externa da iniciativa “Gulbenkian Intergeracional”, promovida pela Fundação Calouste Gulbenkian.
Entre 2021 e 2023, esteve a tempo integral no projeto europeu MOAI LABS, que visava conhecer a experiência subjetiva da solidão e do isolamento entre os mais velhos, bem como o desenvolvimento de soluções digitais para responder a situações de solidão e isolamento social de adultos mais velhos, assente na metodologia “Living Labs”.
O grupo publicou no Journal of Gerontological Social Work e no International Journal of Social Robotics, neste último com uma revisão sistemática em que abordou as perspetivas das pessoas mais velhas que recorrem a animais robóticos, um tipo de “robô social”. “Em contexto institucional, mas também na comunidade, é muito utilizado o PARO, uma foca bebé robótica que parece induzir relaxamento e diminuir o “stress” em pessoas com demência e nos seus cuidadores.
Atualmente, é membro do Conselho Consultivo do Complexo de Neurointervenção da Cruz Vermelha Portuguesa, em Vila Nova de Gaia, e faz parte de consórcios europeus com projetos (a decorrer e em fase de preparação de candidatura) na área da tecnologia para adultos mais velhos. Alia a docência à investigação, dedicando-se ao estudo da comunidade LGBTI mais velha, tendo publicado recentemente um artigo sobre generatividade e legado. “Infelizmente, este projeto não tem financiamento e, portanto, todo o trabalho que temos desenvolvido resulta do nosso empenho e do nosso desejo de contribuir para a mudança”, indica.
Ambição a 1 ano?
É ser feliz naquilo que estou a fazer, seja a dar aulas ou a investigar. Gostava de continuar a estar rodeada de uma equipa que me inspire e com quem me sinta confortável a trabalhar. Idealmente, a trabalhar em investigação a 100% e envolvida em projetos internacionais.
Ambição a 10 anos?
A minha motivação, com certeza, irá mudar, mas gostava de ter algum destaque na área da investigação, poder trazer contributos relevantes na área da Gerontologia. Mas se puder estar a trabalhar nos temas da comunidade LGBTI e envelhecimento saudável seria, então, bastante mais feliz. É uma das minhas maiores ambições.
Que vida para além da investigação e da docência?
Gosto muito de estar com o meu filho de quatro anos e de conversar com ele. Gosto muito de praticar desporto, é fundamental para a minha saúde mental. Faço crossfit, é muito desafiante. Adoro música, é uma das minhas paixões. Tal como cinema, dança…. Comecei por dança funky, depois voltei-me para o hip hop e dei aulas de dança. Fui vocalista de uma banda de originais na área do hip hop/rock, quando estava a fazer o doutoramento. Depois acabei por desistir. Recentemente, comecei a ter aulas de piano. São áreas que têm uma grande importância na minha vida, mas a que já não me dedico como antigamente.