Nos últimos meses, alguém próximo de si ameaçou abandoná-lo, magoá-lo, castigá-lo ou institucionalizá-lo? Ou será que gritou consigo, diminuiu-o ou humilhou-o? Ou ter-se-á recusado a falar consigo ou ignorado a sua presença para o magoar?
Um estudo desenvolvido por Ana João Santos, no âmbito do Programa Doutoral em Geriatria e Gerontologia do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar (ICBAS), sob a orientação de Óscar Ribeiro, investigador do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, analisou estas e outras questões num estudo recentemente publicado no “The Journal of Adult Protection”.
Os autores analisaram dados de um total de 1.123 adultos com mais de 60 anos de idade residentes em Portugal, na própria casa ou em casa de familiares e com telefone fixo ou móvel. Mais de metade (66,8%) eram mulheres, 48% tinham entre 60 e 69 anos e 60% tinham menos de cinco anos de escolaridade.
Ao todo, 12,7% admitiram ter sofrido algum tipo de violência psicológica (ameaça, agressão verbal ou insultos/humilhação), entre 1 e 10 vezes, nos últimos 12 meses. Esta prevalência é o dobro da encontrada quando se usa um critério mais restritivo em que o ato abusivo ocorre mais de 10 vezes ao longo de um ano (6,3%). No caso das ameaças, a prevalência chega a ser três vezes maior quando se considera entre 1 a 10 ocorrências nesse mesmo período de tempo.
O comportamento abusivo mais relatado pelos mais velhos é a agressão verbal, seguida pelo ato de ignorar ou recusa em falar e pelas ameaças. Entre os indivíduos mais velhos que sofreram pelo menos um ato de violência, cerca de 60% disseram ter sido ignorados e cerca de 50% disseram ter sido vítimas de agressão verbal mais de 10 vezes nos últimos 12 meses.
Além de determinarem a prevalência de abusos sobre os mais velhos, os autores pretendiam saber o perfil dos perpetradores dos abusos e o perfil das próprias vítimas. Em todas as faixas etárias analisadas, comprova-se que as mulheres são as principais vítimas de violência psicológica, mostrando que, nesta área, o sexo feminino continua a ser o elo mais fraco.
Analisando outros fatores, conclui-se que as mulheres entre os 60 e os 69 anos de idade, com pouco suporte social e a residir nas próprias casas com o cônjuge ou companheiro e com os filhos são as que sofrem violência psicológica de forma mais frequente (mais de 10 vezes no último ano). Contudo, as mulheres entre os 70 e os 79 anos e com maior falta de suporte social são as que mais reportam este tipo de abusos, ainda que esporádicos.
Os perpetradores de violência continuada são principalmente os cônjuges ou companheiros (53,8%). No entanto, 32,4% dos abusadores esporádicos ou menos frequentes (1 a 10 vezes no último ano) são filhos ou netos. Quando a violência constitui em ignorar ou deixar de falar, surgem também outros membros da família na lista, como irmãos, cunhados, sobrinhos ou primos, assim como a rede social informal, como vizinhos.
A violência psicológica, que inclui insultos, ameaças, intimidação, humilhação, entre outros comportamentos abusivos, é considerada de mais difícil deteção porque pode não ser tangível, mas também devido a especificidades culturais, variações das próprias dinâmicas familiares e a diferentes formas de medir a violência.
Ao recorrer a duas medidas distintas, este estudo pretende contribuir para identificar os vários tipos de abuso existentes, incluindo as formas mais ligeiras de abuso, até porque podem ser precursoras de formas mais graves.
Na prática clínica, dizem os autores, seria benéfica a existência de uma forma mais abrangente de identificação da violência psicológica que permitisse abordar e intervir em todo o espectro deste tipo de abuso.
O estudo tem como coautores Baltazar Nunes e Irina Kislaya do Instituto Nacional de Saúde Ricardo Jorge, além de Ana Paula Gil, do CICS NOVA – Universidade Nova de Lisboa, tendo por base os dados do projeto “Envelhecimento e Violência”, coordenado por esta e desenvolvido entre 2011 e 2014 pelo Departamento de Epidemiologia do Instituto Nacional de Saúde.