Se fosse preciso escolher uma palavra para definir o que motiva, provavelmente seria paixão. Assim é Ana Paula Prata, investigadora do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde e professora coordenadora na Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP). Apaixona-a a vida, a que se forma dentro do útero, a que nasce e cresce, a que gera e dá à luz, tateando, muitas vezes, caminhos às escuras. Apaixona-a fazer o que ainda não foi feito, sonhar e concretizar. Em mãos tem um projeto disruptivo que visa a adoção de modelos alternativos de seguimento das grávidas e famílias e a implementação de Unidades de Cuidados na Maternidade (UCM) como parte do Serviço Nacional de Saúde (SNS), em nome dos direitos das mulheres e com a evidência científica exigida. Isto numa altura em que as urgências de Obstetrícia sofrem com a falta de profissionais e com o encerramento de blocos de partos.

Ana Paula Prata nasceu há 59 anos, prematura, e em casa, no Porto. Sempre estudou na Invicta, vivendo na juventude os tempos conturbados do pós-25 de abril. Nas brincadeiras de criança, era sempre a enfermeira. “Queria tratar as pessoas e ajudar os bebés em nascer”, lembra. No 12º ano, teve de escolher entre Enfermagem e Economia, outra das suas paixões. Concluiu, em 1985, o Curso Geral de Enfermagem na Escola de Enfermagem Franciscanas Missionárias de Nossa Senhora (atual Escola Superior de Saúde de Santa Maria), com uma bolsa de estudos que obrigava a prestar trabalho na periferia. Por isso, em janeiro de 1986, foi para o Hospital de Paredes. “Havia muita falta de enfermeiros. Trabalhávamos muitas horas, ainda era solteira. Foi uma experiência muito interessante. Estava na Obstetrícia e tive oportunidade de abrir uma unidade de lactentes”, recorda.

Em agosto do mesmo ano, foi trabalhar para o Hospital de São João (atual Centro Hospitalar Universitário de São João -CHUSJ), mas para a Neurologia, onde esteve durante sete anos “Foi dos sítios onde mais aprendi. Trabalhávamos em colaboração. Tínhamos uma relação fabulosa. Foi aí que eu pude dizer, com orgulho, que era enfermeira. Trabalhámos com poucos recursos, mas com paixão”, recorda.

Em 1992, o amor pela Obstetrícia falou mais alto e saiu do hospital para fazer a especialização na antecessora da Escola Superior de Enfermagem do Porto (ESEP). “Adorei. Era mesmo aquilo que eu queria”, confessa. Regressou ao Hospital de São João, mas para o Serviço de Obstetrícia, onde um novo desafio a aguardava. “Tive a sorte de trabalhar com pessoas fantásticas que me ensinaram imenso. Um problema de saúde, porém, obrigou-me a deixar o bloco de partos”, rememora.

Em outubro de 1996, aceitou o convite para integrar o corpo docente da ESEP e dar aulas, algo que nunca havia pensado fazer. “Foi uma decisão difícil. Ia saltar para o desconhecido. Tinha sonhado ser muitas coisas, exceto professora. Eu era muito tímida. Ainda sou, na realidade. Mas correu muito bem”, regozija-se.

Nessa mesma altura, cumpriu outro dos seus sonhos e entrou no mestrado em Gestão e Economia da Saúde na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, que concluiu em 2001. Viria a concluir o doutoramento em Enfermagem em 2016 pelo Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa, tendo-se juntado, então, à equipa de investigação do CINTESIS como investigadora integrada.

Atualmente, dedica a sua vida ao ensino e à investigação. No âmbito do CINTESIS e do seu grupo de investigação NursID – Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem, tem estudado a construção da confiança para o parto, que sofreu um abalo com a pandemia de COVID-19 (ver notícia), bem como as políticas e programas de intervenção e assistência às grávidas, em Portugal e em sistemas de saúde de diferentes países. Coordena o projeto “Nascer em Portugal: um direito à escolha” para adoção de modelos alternativos do seguimento das grávidas a nível nacional. Um dos objetivos é desenvolver Unidades de Cuidados na Maternidade (UCM) integradas no SNS e aumentar o número de partos naturais, não instrumentados, e o leque de escolhas das mulheres.

“A confiança no parto é uma inquietação minha de há muitos anos. Quando fiz o meu doutoramento, fiquei muito espantada porque as mulheres achavam que não eram capazes de dar à luz e não tinham sequer a perceção de que podiam tomar decisões em relação ao seu parto”, enfatiza.

Quanto às UCM, defende que “uma urgência devia ser para uma situação de doença em que só os médicos obstetras podem dar resposta”, mas advoga que “há muitas situações que não são verdadeiras urgências. Uma mulher em trabalho de parto não é uma urgência. Acreditamos que, com essas Unidades, vamos conseguir aumentar o número de partos naturais, não instrumentados, que representam mais de metade dos partos, e que iremos dar às mulheres equidade de acesso ao parto que desejam ter. Há sempre mulheres que vão querer cesarianas. O que queremos é aumentar o leque de escolhas, com qualidade e segurança”, conclui.

Ambição a 1 ano?

Espero ver concluído o estudo de avaliação económica das UCM na gravidez, com a minha doutoranda e investigadora do CINTESIS Andreia Gonçalves. Depois teremos outro estudo de avaliação económica no parto. Estamos também a trabalhar com a Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras no sentido de apresentar este projeto às entidades oficiais. Espero que as UCM tenham, em breve, um projeto-piloto.

Ambição a 10 anos?

Gostaria que a minha pegada na terra, para além dos meus filhos, fosse contribuir para a construção de uma realidade em que as mulheres, tivessem direito de escolha, se tornassem participantes ativas no seu trabalho de parto e tivessem uma experiência de parto mais positiva.  E que as enfermeiras de saúde materna e obstétrica se tornassem mais significativas neste percurso. Assim estaríamos a devolver o parto às mulheres e a promover a equidade e a sustentabilidade do SNS.

Que vida para além da investigação?

Gosto muito de passear no Porto, gosto muito de ler e tenho um grande fascínio por banda desenhada. Adoro “Harry Potter”, “O Senhor dos Anéis” e filmes da Marvel. No futuro, quando me reformar, vou fazer um curso de Nanotecnologia [risos].