Inês Ribeiro Vaz é investigadora integrada do CINTESIS – Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, coordenadora da equipa técnica da Unidade de Farmacovigilância do Porto, com sede na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), instituição de ensino onde dá aulas há vários anos. É também, desde janeiro, representante nacional do Comité de Farmacovigilância (PRAC – Pharmacovigilance Risk Assessment Committee) da Agência Europeia do Medicamento (EMA), tendo sido nomeada pelo INFARMED – Agência Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde.
Nasceu em junho de 1975, na cidade do Porto, quando os pais, originários de Viseu, aí estabeleceram residência. Andou do 5º ano ao 12º ano na Escola do Cerco, que é, até hoje, muito estigmatizada pela proximidade a um bairro social. A fama é injusta, diz. “Gostei muito de lá andar. Só tenho boas recordações. Tenho grandes amigos dessa altura”, conta.
Apaixonou-se por Química no 10º ano. Quando uma professora lhe falou do curso de Farmácia, “fez-se luz”. Acabou por entrar na Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto em 1993, como primeira opção. “Eu tinha notas para entrar onde quisesse, foi quase um escândalo não ter escolhido Medicina [risos], mas a Química era o que realmente me apaixonava. Só não queria trabalhar numa farmácia comunitária”, explica.
Quando acabou o curso, em 1999, foi convidada a desenvolver um projeto na área dos medicamentos manipulados, na Associação Nacional das Farmácias (ANF). Em 2003, entrou na Unidade de Farmacovigilância do Porto (então Unidade de Farmacovigilância do Norte), constituída poucos anos antes, na FMUP, com a coordenação de Altamiro da Costa Pereira e de Jorge Polónia, que se mantém.
“Percebi que era aquilo que queria fazer. É uma área que eu adoro. Eu não tenho um trabalho, eu tenho uma missão. A minha missão é tornar os medicamentos mais seguros. Essa missão começa no dia em que o medicamento chega ao mercado e é permanente. Nunca acaba. O principal desafio sempre foi combater a subnotificação das Reações Adversas a Medicamentos (RAM). Por isso é importante falar com os profissionais de saúde. A minha obrigação é facilitar-lhes a vida. Sempre foi essa a minha visão”, sublinha.
Para além do trabalho de rotina, sempre fez investigação. Realizou o mestrado em Saúde Pública na FMUP, em 2009. Desenvolveu medidas ativas de combate à subnotificação das reações adversas aos medicamentos. Percebeu que o contacto direto com profissionais de saúde se traduzia, no imediato, num grande aumento de notificações. Medidas simples como a colocação de hiperligações nos ambientes de trabalho dos computadores dos profissionais de saúde dos hospitais para o formulário online de notificação podem fazer toda a diferença.
Concluiu o Programa Doutoral em Investigação Clínica e em Serviços de Saúde (PDICSS) na FMUP, em 2016. A grande marca do seu doutoramento foi a criação de um sistema próprio na Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM). “O SIRAI – Sistema de Informação de Reações Adversas e Incidentes é uma base de dados feita de raiz para a Farmacovigilância, permitindo que o hospital guarde essa informação e faça a sua própria gestão do risco e para a segurança dos doentes. Acho que este sistema pode ser um protótipo para outros hospitais”, considera.
Integra o CINTESIS no início da década de 2010, fazendo atualmente parte do grupo HIS-EHR: Sistemas de Informação em Saúde e Registos de Saúde Eletrónicos, liderado por Ricardo Cruz Correia. “Percebi que as ferramentas informáticas podem ser aliadas da Farmacovigilância, quer como fonte de informação, quer como forma de facilitação das notificações. Uma das coisas que fizemos foi ligar um registo clínico a uma base de dados da Unidade, através de um webservice. Basta que os profissionais de saúde carreguem num botão para que a Unidade receba a informação, o que evita uma duplicação de esforços e a perda de dados fundamentais”, indica, acrescentando que, entretanto, o INFARMED tem adotado esta mesma estratégia a nível nacional. A tecnologia foi implementada em conjunto com a VirtualCare, uma spin-off do CINTESIS/FMUP e da U.Porto e pelo GEDII – Grupo de Estudo da Doença Inflamatória Intestinal.
Nos últimos anos, o seu trabalho de investigação tem sido marcado, inevitavelmente, pela pandemia. “No início da pandemia, ninguém sabia muito bem como tratar a doença. Sabíamos o benefício e o risco dos medicamentos nas patologias para as quais foram desenvolvidos, mas não conhecíamos o seu benefício na COVID-19”, lembra.
Curiosamente, esta acabou por revelar ao público a importância da notificação de RAM. “De repente, em 2021, tivemos no mercado quatro vacinas contra a COVID-19 e toda a gente ficou a saber que podia reportar as suas suspeitas de RAM. Tivemos um aumento de 10 vezes de notificação. As pessoas notificaram tudo e mais alguma coisa. A culpa também foi nossa, da academia e das autoridades. Não soubemos comunicar convenientemente. Suspender por precaução uma vacina que provocou eventos tromboembólicos foi um erro. Os contracetivos orais provocam mais eventos e nunca foram suspensos por precaução. Temos muito a aprender com o que aconteceu”, enfatiza.
Juntamente com outros investigadores do CINTESIS/FMUP, Inês Vaz publicou recentemente uma revisão do perfil de segurança dos vários medicamentos usados na COVID-19 (mesmo os não aprovados para a doença), como a hidroxicloroquina, o remdesivir, a invermectina, com base em estudos realizados a nível mundial. O objetivo é que esta revisão se constitua como um documento de apoio à decisão clínica.
Ambição a 1 ano?
Fazemos parte de três consórcios europeus de estudos atualmente em curso, dois dos quais sobre COVID-9. Um desses estudos visa analisar o perfil de segurança das vacinas em determinados grupos de pessoas vacinadas contra a SARS-CoV-2, nomeadamente em grávidas, mulheres a amamentar, doentes imunocomprometidos e crianças, através de questionários aplicados em vários países, incluindo Portugal. Os resultados deverão ser conhecidos no próximo ano.
Noutro consórcio estamos a estudar o impacto da comunicação sobre os chamados coágulos (síndrome tromboembólico com trombocitopenia) na campanha de vacinação contra a COVID-19, através de questionários aos profissionais de saúde e à população em geral. O trabalho, solicitado pela Agência Europeia do Medicamento (EMA), está a ser realizado em seis países europeus, sendo liderado pela Universidade de Utrecht. Os resultados devem ser conhecidos também em 2023.
O terceiro consórcio visa perceber se as medidas de minimização de risco de RAM devem estar incluídas nas orientações clínicas que os médicos têm para o tratamento das doenças.
Ambição a 10 anos?
Pretendo manter a UFPorto como uma Unidade de referência a nível nacional, como já é, neste momento. Como representante nacional do Comité de Farmacovigilância (PRAC – Pharmacovigilance Risk Assessment Committee) da Agência Europeia do Medicamento (EMA), espero levar a nossa visão regional para a EMA e vice-versa.
Quero que a Farmacovigilância esteja cada vez mais próxima das pessoas. O nosso trabalho, para além de ser científico, é de prestação de um serviço à comunidade. Estamos aqui para tornar os medicamentos mais seguros.
Em termos de investigação, interessa-me muito estudar o impacto das medidas de minimização de risco de medicamentos em determinadas populações. A longo prazo, parece-me que irei por aí porque será cada vez mais necessário.
Que vida para além da investigação?
Os tempos livres não são muitos. Gosto muito de ler. Adoro ficção, literatura sul-americana, adoro a cultura brasileira, sou fascinada, sobretudo, por música brasileira. A minha grande paixão é o Rio de Janeiro. Na minha adolescência, o meu sonho era ir o Rio de Janeiro. Quando comecei a trabalhar, juntei dinheiro, tirei férias e passei lá um mês, fui sozinha.
Gosto muito de cinema e de ir a concertos. Fazia parte de um coro amador de pais e encarregados de educação do Conservatório do Porto, onde a minha filha estudava, até ao início da pandemia. Também gosto muito de ir à praia. Fazia mergulho, mas, quando a minha filha nasceu, há 16 anos, deixei de fazer.
No futuro, quero viajar, quero voltar ao Rio de Janeiro. Já fui quatro vezes, em lazer, não em trabalho. É uma paixão, não quero casar, quero ser sempre apaixonada.