Manuel Gonçalves-Pinho é um dos mais jovens e promissores investigadores do CINTESIS, onde integra o grupo de investigação 2D4H. Nascido no Porto, fez o Mestrado Integrado em Medicina (2018) e o Doutoramento (2022) na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde é Assistente Convidado de Psiquiatria e Saúde Mental. É também médico de Psiquiatria no Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa (CHTS).

Foi profundamente marcado pela leitura do livro “Retalhos da Vida de um Médico”, de Fernando Namora, e sempre teve “o fascínio de tratar”. “Embora gostasse muito de Português, sobretudo da parte mais criativa, as áreas das Ciências sempre me fascinaram mais. Sempre tive aquele fascínio de curar e perceber o outro. Também sempre gostei de ouvir as pessoas e, na clínica, temos esse privilégio”, diz.

A Medicina surgiu como uma escolha natural, permitindo-lhe aliar a docência e a investigação desde o primeiro ano do curso, pela mão de Alberto Freitas, investigador principal do 2D4H, do CINTESIS, e professor da FMUP, que viria a ser seu orientador no Mestrado Integrado (com uma tese sobre a interrupção da gravidez) e no Doutoramento. Foi o seu “mestre” que o trouxe para o CINTESIS, onde tem desenvolvido investigação principalmente nas áreas da Saúde Pública, Saúde Mental e análise económica dos cuidados de saúde.

Na área da Psiquiatria e Saúde Mental, que viria, entretanto, a escolher como a sua especialidade médica, desenvolveu um trabalho sobre perturbações do comportamento alimentar, como a anorexia nervosa e a bulimia, mostrando que estas doenças motivaram 4 mil hospitalizações em 16 anos.

Nos últimos anos, os seus trabalhos têm descrito as hospitalizações, em Portugal, por doenças do foro psiquiátrico, como a depressão e a perturbação bipolar, e caracterizado as pessoas internadas. “Não tínhamos sequer dados epidemiológicos sobre hospitalizações nesta área. Tínhamos dados de prevalência, de 2013, mas não sabíamos quantos doentes eram internados nos hospitais portugueses por depressão, esquizofrenia ou doença bipolar”, recorda.

Neste âmbito, um dos seus estudos com maior visibilidade foi sobre internamentos em hospitais públicos por surtos psicóticos associados ao consumo de cannabis, que tem motivado palestras, publicações e entrevistas, como a que deu, no passado mês de novembro, ao jornal alemão Die Zeit.

“Os resultados dos nossos artigos podem ter, de facto, muito impacto na sociedade. Nós analisamos, até agora, os internamentos, que são o fim da linha, quando o resto não funcionou, seja em consultas hospitalares ou nos cuidados de saúde primários”, sublinha.

Mais recentemente, é de salientar o trabalho sobre as urgências psiquiátricas durante a pandemia de COVID-19. “Este é o estudo com maior impacto, até agora, em termos de citações e de visibilidade”, refere.

Para Manuel Gonçalves Pinho, “é importante dizer que os dados secundários provêm de bases de dados nacionais de todos os hospitais públicos [usadas primariamente para financiamento]. Os dados secundários têm essa vantagem: são uma espécie de farol de nevoeiro: não permitem ver a realidade com grande definição, mas permitem nortear e perceber em que direção devemos ir”.

O investigador do CINTESIS congratula-se com a visibilidade que a Saúde Mental ganhou nos últimos tempos, refletindo a importância que sempre teve e afastando mitos e preconceitos sem sentido. “As pessoas têm ideia de que a doença mental é contagiosa, quase como se fosse uma infeção, e então julgam que o melhor é não falar dela. O mesmo se passa com o suicídio. Essa é uma ideia errada e nefasta para os doentes. É exatamente o contrário, nós devemos falar. Estes estudos que temos feito têm permitido dar visibilidade aos doentes e suas famílias, com a particularidade de representarem efetivamente os nossos doentes”, sustenta.

Ganhou vários prémios, com destaque para o Prémio Janssen 2022 com um estudo que analisou as readmissões em hospitais por esquizofrenia, a que se juntam o Prémio In4Med e o 1º Prémio do Yes Meeting, em 2017, com um trabalho de análise dos dados de doentes com anomalias cromossómicas internados em hospitais portugueses.

Entre 2019 e 2022, exerceu ainda mandato como vogal da direção do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos.

 

Ambição a um ano?

Em termos académicos, tenho vários projetos em curso, nomeadamente sobre as hospitalizações prolongadas na área da doença mental e sobre os internamentos por doença neurológica com comorbilidade psiquiátrica. Um dos problemas dos serviços de internamento em Psiquiatria consiste nas pessoas que têm alta clínica, mas que não têm retaguarda familiar ou social e não têm vaga em cuidados continuados. Sem orientação social possível, estes doentes acabam por permanecer ad eternum nos serviços de internamento agudo.

Outro trabalho em curso é sobre indicadores de qualidade em Saúde Mental nos Cuidados de Saúde Primários. A Psiquiatria está nos hospitais, mas quem está na primeira linha de contacto com os doentes são os médicos de família, os enfermeiros de família e os psicólogos das unidades de saúde. Existem muitos indicadores de qualidade, mas ainda muito poucos sobre Saúde Mental.

Ambição a 10 anos?

A médio prazo, quero desenvolver a minha ligação à FMUP. Nesta fase, é muito importante, para mim, manter a minha atividade académica, pedagógica e clínica, em conjunto.

Temos também em mãos a criação de uma plataforma de dados de Saúde Mental em Portugal, que consistirá na realização de estudos nacionais, interligando dados dos hospitais nacionais públicos e de outras bases de dados de saúde, como já acontece noutros países. O objetivo é mapear a realidade da doença mental em Portugal de forma sistemática e contínua.

Que vida para além da docência e da investigação?

Gosto muito de me dedicar a atividades fora da Medicina e da Psiquiatria, para a minha própria Saúde Mental. Gosto muito de escrever, é uma forma de ventilação emocional, para mim. Também gosto muito de música, de ir à Casa da Música, de ir ao Coliseu do Porto. Gosto muito do campo, de sujar as mãos na terra e contactar com a Natureza. Além disso, dedico-me à minha família, aos meus amigos, a quem me é próximo.