Nascida em setembro de 1988, no Porto, Sofia Baptista é uma jovem investigadora do CINTESIS, professora e mãe de duas crianças. Fez ballet clássico pela Royal Academy of Dance (Londres) e deu aulas a enquanto fazia o curso de Medicina. Escreve poesia desde pequena. Esteve na frente de batalha contra a pandemia de COVID-19. Viu muitos doentes na urgência e outros tantos como médica de família. Para trás, ficou o sonho de ser jornalista, mas comunicar está-lhe na alma.

“A minha paixão, nas consultas, na Faculdade, na vida, é a comunicação. Estou sempre a tentar encontrar o ponto de equilíbrio que me permita ser feliz a comunicar”, afirma.

Quando era criança, lembra, “tinha enfermarias com os bonecos, aos quais prestava cuidados de saúde, mas também andava sempre com o gravador que os meus pais me ofereceram, a entrevistar toda a gente. Fazia telejornais inteiros”.

Estudou na Escola Fontes Pereira de Melo, de onde saiu com classificação média final de 19,7 valores diretamente para a Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), onde concluiu o mestrado integrado em Medicina em 2012. Lembra que foi uma “caminhada difícil” e que a resiliência foi uma das aprendizagens dessa época.

“Sempre fui uma aluna muito dedicada, muito rigorosa e muito curiosa. Sempre gostei de várias coisas. Mas também tive a sorte de ter professores fantásticos, desde o meu professor primário, que nos lia Sophia de Mello Breyner debaixo dos plátanos da escola. Lembro-me de, aos sete anos, pedir aos meus pais o livro de “Anne Frank”. Felizmente, os meus pais incentivaram o meu gosto pela cultura”, conta.

Quando chegou o momento de escolher uma especialidade, optou pela Medicina Geral e Familiar, pela “amplitude de problemas que abrange”. Fez uma pós-graduação em Metodologia da Investigação em Ciências da Saúde na Universidade Autónoma de Barcelona, em Espanha, em 2014, e prosseguiu para o doutoramento, também na FMUP, que terminou em 2020. Quis que o doutoramento fosse, não o culminar de uma carreira, como acontecia antigamente, mas o início.

No CINTESIS, tem investigado sobretudo na área do processo de decisão partilhada em saúde.  Em causa está a transição de um modelo de relação médico-doente muito paternalista e assimétrica, em que o médico decidia tudo, para um modelo de decisão partilhada. Tem-se dedicado também a estudar a relevância do formato dos auxiliares de decisão (folhetos, vídeos, conteúdos online, etc.) na qualidade da tomada de decisão. Levou para a sua investigação as perguntas suscitadas pela sua prática clínica e vice-versa, isto é, aplica os conhecimentos e as técnicas que aprendeu na investigação nas suas consultas.

“A investigação tem de partir sempre das perguntas que surgem no nosso dia a dia. Eu própria percebi que o modelo de decisão partilhada não é algo inato no médico; é algo que se aprende, que se treina. Também nem todos os doentes estão preparados, ainda têm o modelo paternalista na cabeça. Isto treina-se! Os doentes gostam de ser ouvidos, gostam que a sua opinião e os seus valores sejam tidos em conta. Isso tem sido muito recompensador”, continua.

Foi médica na Urgência Centro Hospitalar Universitário de São João (CHUSJ) até 2021, tendo estado na frente de batalha contra a pandemia de COVID-19. Atualmente, é médica especialista de Medicina Geral e Familiar na Unidade de Saúde Familiar (USF) Homem do Leme, no Porto, coeditora da Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (RPMGF) e Professora Auxiliar Convidada da FMUP.

E porque o olhar clínico também se treina, Sofia Baptista criou a unidade curricular “Observar: da arte à clínica” que foi distinguida como uma unidade InovPed pela Universidade do Porto. “São aulas muito desafiantes porque são fora da caixa, mas é muito bom sair da nossa zona de conforto. Além da comunicação, a observação é outra das competências essenciais a um médico. Aquilo que vemos nos doentes pode fazer a diferença até para um diagnóstico acertado. Esse treino do olho que se faz ao observar obras de arte tem um paralelismo com o olho clínico. Foi uma ideia minha, mas descobri que Harvard Medical School tem um curso muito idêntico”, conta.

É “correspondente médica” da CNN Portugal, fazendo semanalmente um ponto de situação da atualidade médica e de ciência. Tudo começou quando decidiu fazer um “casting”, concorrendo com milhares de candidatos. “Era um sonho antigo muito grande que eu nunca pensei que se pudesse concretizar. Aqui posso aliar as duas vertentes: posso falar de assuntos relevantes para a literacia em saúde (os média têm um potencial enorme para aumentar a literacia em saúde da população) e participar neste fervilhar das notícias.

 

Que ambição a 1 ano?

Irei desenvolver um ensaio aleatorizado que irá analisar o impacto dos valores pessoais dos doentes no processo de tomada de decisão partilha. Na prática clínica, os doentes a quem apresento os benefícios e os riscos do rastreio do cancro da próstata, por exemplo, respondem de forma muito diferente. Se poupar uma morte em mil doentes rastreados através do PSA, alguns querem ser esse doente. Outros entendem que não iriam querer viver com os efeitos laterais dos tratamentos, como a disfunção erétil. Os valores parecem ter um papel muito importante.

 

Que ambição a 10 anos?

Gostava de dedicar mais tempo para a investigação e para o ensino, sem deixar a clínica. Queria continua nesta linha da decisão partilhada em saúde, no CINTESIS, que me tem dado muito. Estou muito grata às pessoas com quem tenho colaborado e que têm colaborado comigo. Têm sido um suporte enorme.

 

Que vida para além da investigação, da docência e da prática clínica?

Sou muito sonhadora. Arrisco muito. Vivo muito intensamente a vida. Continuo a escrever, mas pouco, essencialmente poesia dispersa. Gostava muito de vir a escrever um livro, mas creio que ainda não é o tempo para isso.

Fiz ballet clássico desde os oito anos até à gravidez da minha segunda filha, há cerca de dois anos. Sempre fui muito feliz no ballet, mas nunca fui uma bailarina fantástica. Percebi muito cedo que eu não tinha o que era preciso para ir até ao fim. Era uma paixão, uma fuga e uma forma de ter um rendimento extra, quando estava a fazer o curso de Medicina.

Dedico-me muito à família e aos meus dois filhos, o Frederico, com quase cinco anos, e a Rosarinho, que vai fazer dois anos. Gosto muito de viajar, mas sou pouco viajada. Não precisam de ser viagens muito longínquas. São um escape, uma forma de catarse.

As pessoas perguntam-me muitas vezes como é que eu tenho tempo para tudo. Claro que há um limite e temos de o conhecer, sob pena de entrarmos em exaustão, mas, às vezes, quando temos mais coisas, gerimos melhor o nosso tempo e as nossas prioridades.