João Tavares é investigador integrado do grupo de investigação AgeingC, do CINTESIS, no polo da Universidade de Aveiro, desde 2020, depois de vários anos como colaborador nesta Unidade. Aos 41 anos de idade, acumulou uma vasta experiência da prática clínica como enfermeiro, que aliou à atividade de investigação e à docência, tendo sempre o envelhecimento e o cuidado à pessoa idosa como “guarda-chuva”.
Nasceu e cresceu em Sever do Vouga, na Rua da Aldeia, “rodeado de velhos”, embora não tenha tido uma relação de proximidade com os seus próprios avós. Essa “memória romântica e afetiva da infância” acabou por ter uma influência decisiva no caminho profissional que decidiu trilhar. “Para mim, era natural e intrínseco estar com pessoas idosas”, sublinha.
Licenciou-se em Enfermagem na Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da Fonseca, em Coimbra, em 2004. Nos primeiros anos, trabalhou como enfermeiro na Equipa Diferenciada de Cuidados de Enfermagem, substituindo colegas com baixas prolongadas nos mais diversos serviços, nos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC). Mais tarde, viria a exercer na Consulta de Geriatria dos HUC, bem como na UCSP – Unidade de Alfarelos.
A sua vocação para cuidar dos mais velhos consolidou-se com a experiência profissional e ganhou uma nova perspetiva com a continuação dos estudos e o aprofundamento da investigação a nível académico. Em 2008, fez Mestrado em Gerontologia na Universidade de Aveiro com um trabalho sobre a Rede Nacional de Cuidados Continuados. Era mestre quando começou a dar aulas. Foi docente na Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (orientando estudantes em estruturas residenciais para pessoas idosas – ERPI) e na Escola Superior de Educação de Coimbra, no curso de Gerontologia Social.
Viria a concluir o Doutoramento em Gerontologia e Geriatria da Universidade do Porto/Universidade de Aveiro, em 2014. “Foi um meio para perceber o estado dos cuidados à pessoa idosa, nomeadamente a nível hospitalar, o que não estava a ser feito e o que tinha de ser feito”, recorda. Fez estágio nos EUA, com uma Gerontological Nurse Practitioner, no âmbito do programa Nurses Improving Care for Healthsystems Elders (NICHE), tendo trabalhado com investigadores de referência mundial em Enfermagem Geriátrica.
Após o doutoramento, avançou com um projeto, nos HUC, para identificação de pessoas idosas em risco no Serviço de Urgência, tendo realizado um trabalho de validação e aplicação de instrumentos nesse mesmo contexto. Este trabalho esteve, de resto, na base das provas públicas que prestou para obtenção do Título de Especialista em Enfermagem.
Como investigador, uma das suas linhas de pesquisa diz respeito ao desenvolvimento de competências em Enfermagem Geronto-Geriátrica, quer para o nível graduado, quer para o nível avançado. “Em Portugal, não existe a especialidade de Geriatria, nem na parte médica, nem na parte de Enfermagem, o que, na minha perspetiva, constitui uma lacuna enorme. Este trabalho quer lançar a discussão sobre a necessidade urgente de avançarmos para formações diferenciadas nesta área”, afirma.
Para João Tavares, “hoje não faz sentido que os hospitais, os contextos de saúde e os contextos sociais, que têm maioritariamente pessoas idosas, não promovam cuidados de qualidade ou, pelo menos, informados na melhor evidência”.
Embora o envelhecimento seja estudado a nível académico, o investigador do CINTESIS considera que, cerca de 20 anos depois de ter começado a trabalhar na área, “os avanços são muito lentos, muito residuais. As medidas que respondem efetivamente a este grupo são escassas, com algum show off”, confessa, denotando algum “desencantamento”.
É verdade que “algumas coisas mudaram”, diz, mas “ainda temos um caminho pela frente e, para isso, é essencial reforçar o conhecimento e as competências dos profissionais que trabalham nesta área”.
Outra linha de pesquisa é a solidão e o isolamento social dos idosos, com a validação de instrumentos, caso da escala ALONE. João Tavares tem investigado ainda sobre variáveis de interação com os “social media” e questões ligadas aos animais de companhia. A população LGTBQIA+ com mais de 50 anos constitui outra linha de pesquisa. Recentemente, participou no projeto Integr@tención II, que visava a utilização da tecnologia para ajudar os idosos na resposta a necessidades reais.
Com vários trabalhos publicados em revistas de circulação nacional e internacional com arbitragem científica, João Tavares também é coautor de livros dedicados ao cuidador e ao cuidado das pessoas idosas, revisor de revistas científicas e membro da AGE Platform Europe nas Task force on dignified Ageing e AGE on Heath Ageing. Recebeu, em 2018, o Prémio de Investigação da Ordem dos Enfermeiros – Secção Regional do Centro.
É atualmente Professor Adjunto da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA) e integra o Colégio de Especialidade Médico-Cirúrgica da Ordem dos Enfermeiros. Promete continuar a lutar, a nível pessoal, profissional e académico pelo desenvolvimento da Enfermagem Geronto-Geriátrica.
Ambição a 1 ano?
Queria que o projeto ALONE estivesse concluído. A escala ALONE é uma escala clínica de avaliação da severidade da solidão, que visa ajudar na tomada de decisão clínica pelos profissionais e, nomeadamente em casos de solidão severa, permite a referenciação. É uma ferramenta que pode ser facilmente incorporada numa entrevista clínica no sentido de identificar este grupo, quer na comunidade, quer em ERPI. Neste momento, estamos apenas a focar-nos nas pessoas da comunidade. Espero que daqui decorram resultados a médio prazo.
Ambição a 10 anos?
A médio e longo prazo, vejo-me a trabalhar nas questões da fragilidade, que é uma área muito transversal e em que já tenho investigado. Gostaria também, no futuro, de me dedicar a trabalhar nas questões da tecnologia e de dar continuidade às questões das competências, até numa perspetiva de lobby político e de intervenção cívica. Vejo-me a ter uma voz mais ativa. Temos de avançar para modelos mais diferenciados para este grupo populacional. Uma reflexão rápida: há secretarias de Estado para tudo, mas não há uma que represente 24% da população portuguesa, que são as pessoas com mais de 65 anos! Enquanto houver este vazio, a promoção do envelhecimento saudável representa mais uma opção, do que uma obrigação.
Que vida para além da docência, da clínica e da investigação?
Como dizia Agustina Bessa-Luís, nasci velho e morrerei criança. Um dos meus passatempos é a música. Gosto muito de música e uso-a como intervenção pedagógica junto dos meus alunos. Vou muito a concertos. Sou um leitor mediano. Faço desporto (crossfit) até por uma questão de saúde mental. Gosto de construir pontes entre áreas aparentemente distintas. Por exemplo, ao ler “A Máquina de Fazer Espanhóis”, de Valter Hugo Mãe, surgiram-me novas questões de investigação.
Como Simone de Beauvoir, penso que “A lei da vida é mudar; a inércia é que é sinónimo de envelhecer”.